segunda-feira, 31 de maio de 2010

Tempo, tempo, tempo, tempo...

Ontem foi meu aniversário. Comemorei do jeito que gosto: junto dos que amo. Não todos, infelizmente. Ontem estive com os mais próximos, frequentadores da casa. Com os demais comemorarei depois... mais ainda haverá ausências muito sentidas. Enfim... morar longe de onde se nasceu e cresceu tem dessas.

Mas foi uma delícia. Muitas risadas, muita bebida, o número da aranha pra divertir, gente agarrando gente inesperadamente, jogatina, presentes literários que me me deixaram muito feliz, presente inesperado da amiga que mora longe batendo em minha porta, despedida da atriz espanhola que retorna ao seu país com o coração partido depois de se apaixonar pelos brasileiros, canções de minha afilhada linda... tudo lindo, tudo maravilhoso! Em momentos como esse eu me convenço mais do quanto sou feliz e do quanto sou privilegiada.

O tempo, "compositor de destinos" tem sido meu amigo. Em tudo e por tudo. Com sua passagem me sinto mais bonita, mais madura, mais preparada para a vida, mais tolerante, mais humilde diante da vida, mais senhora de mim. Me sinto menos ansiosa, menos arrogante, menos rancorosa, menos fatalista. Enfim... uma pessoa melhor, eu acho. Ainda tenho muito o que melhorar, mas com certeza ele me ajudará no desafio.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Duas mulheres. Uma emoção.

São Paulo é São Paulo...


e o carioca não é o tal!

Assim como aquela matéria especial de Veja, eu tenho 500 razões para amar São Paulo. A maior delas é sem dúvida o que a cidade pode proporciona em termos de enriquecimento cultural. Quando falo em enriquecimento cultural, falo de tudo: da diversidade cultural, sexual, gastronômica, das infinitas possibilidades de lazer, da produção intelectual e etc. Falo de tudo.

Um exemplo dos mais contundentes é o que está acontecendo aqui a partir de hoje: a Festa do Teatro. São 40.000 ingresso distribuidos gratuitamente para que a população possa assistir os melhores espetáculos teatrais em cartaz na cidade durante a semana. Esta é uma ação das mais relevantes em termos culturais. É pouco, muito pouco... mas é muito diante do quase nada que se faz em prol da arte neste país.

Para a grande maioria do público deste evento é a primeira vez que terão a oportunidade de entrar em um teatro como o da FAAP, que cobra no mínimo R$50,00 pelos espetáculos que abriga. Para muitos deles, talvez, seja a primeira vez que entrarão em um teatro. Isso é maravilhoso. Poder proporcionar isso para uma parte da populção que carece de tudo... levar um pouco de poesia para suas vidas. Este é o tipo de coisa que me emociona!

Em tempos de Big Brother, Tequileiras do Funk, Forró Universitário, Rebolation e afins... isto é um oásis no meio de um deserto de almas carentes de arte de qualidade. Cultura e arte não são só entretenimento. Arte é fundamental para a nossa formação. Nos humaniza. Ela está para a alma, assim como o "feijão e o arroz" estão para o corpo. Infelizmente, assim como o "feijão e o arroz", ela falta na vida de um monte de gente. Uma pena... perdem as pessoas e perde o país.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

:-)

Será que pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza mesmo?

Eu ando tão sem inspiração para escrever ultimamente... mas eu ando tão bem comigo, tão feliz. Queria poder traduzir isso em palavras escritas, que pudessem servir de lembrete permanente dos meus dias em azul... mas não consigo.

Gosto de escrever, gosto de viver. Mas entre escrever e viver feliz... eu prefiro viver feliz!!! Não quero que nenhuma tristeza pouse em meu coração ou me atormente o sono para que eu possa viver um momento inspirador.

"Felicidade se acha é em horinhas de descuido" já dizia Guimarães Rosa. E eu ando tão descuidada ultimamente. Sorte a minha.

Eu quero mais é naufragar em um mar de alegria, me embriagar com doses letais de felicidade. Doces deletérios. Quero a angústia de viver feliz sem saber porquê.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Por tudo que o amor me dizia ser certo...

"Se puder tocar no rádio" é o nome da música. Ela me lembra a minha adolescência em Santo Amaro, seguindo a canção pelos palcos da cidade. Passava dias e dias ouvindo Du Alves entoar seus versos e chorava, chorava... com dores de amor. Ia a todos os show que ele fazia. Esta canção foi a trilha sonora de uma história de amor das mais intensas que já vivi.

Estraguei tudo por vaidade, orgulho e a imaturidade típica de quem não sabe nada sobre a vida... e sobre o amor. Ao ouvir esta canção eu tomava consciência dos erros que cometi e hoje ao ouví-la tomo a consciência do quanto amadureci. "O tempo passou você sabe... meu erros, teus erros já não são os mesmos, é outra história que nos cabe."

Compartilho a letra da música com todos. Estou certa de que muitos se identificarão.

Se puder tocar no rádio
(Eduardo Alves)

Eu quero te ver novamente
No meio da nossa cidade
E sei que vai ser diferente de antes
O tempo passou você sabe
Meu erros, teus erros já não são os mesmos
É outra história que nos cabe...

Eu quis te fazer do meu jeito
De um modo que eu via tão cego
Por tudo que o amor me dizia ser certo
E quando te amei de verdade
Foi quando aceitei teus defeitos sinceros
Mas você já tinha ido

Pode nem fazer efeito
Mas eu canto pra tentar...
Se puder tocar no rádio
O daí, de onde você está
Que toque do meu jeito, mas confesso
De quem espera te esquecer em paz
Se você não voltar mais...


P.S.: A cantora Noeme Batos gravou a canção. Espero que um dia o talento deste artista santamarense seja reconhecido. Eu sempre disse que se tivesse dinheiro investiria nele. Quem sabe um dia...
Dia 04/06 ele fará um show em homenagem a Maria Bethânia, nossa conterrânea, no restaurante Tom do Sabor em Salvador. Pra quem tem a chance, vale muito a pena conferir.

terça-feira, 25 de maio de 2010

O amor é uma equação?

Poesia Matemática

Millôr Fernandes


Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Eu apenas queria que você soubesse...

Hoje acordei com essa música na cabeça. Lembro do quanto fiquei sentida com a morte de Gonzaguinha, mesmo sendo criança. Sempre gostei de suas composições e considero sua partida precoce uma perda incomensurável para música popular brasileira, que hoje corre o risco de morrer de inanição.

"Eu apenas queria que você soubesse" diz muito sobre o meu momento... e eu quero que todo mundo saiba!

Eu Apenas Queria que Você Soubesse (Gonzaguinha)

Eu apenas queria
que você soubesse
Que aquela alegria
ainda está comigo
E que a minha ternura
não ficou na estrada
não ficou no tempo
presa na poeira

Eu apenas queria
que você soubesse
Que esta menina
hoje é uma mulher
E que esta mulher
é uma menina
que colheu seu fruto
flor do seu carinho

Eu apenas queria dizer
a todo mundo que me gosta
que hoje eu me gosto muito mais
porque me entendo
muito mais também
E que a atitude
de recomeçar
É todo dia, toda hora
É se respeitar
na sua força e fé
Se olhar bem fundo
até o dedão do pé

Eu apenas queria
que você soubesse
Que essa criança
brinca nessa roda
E não teme os cortes
das novas feridas
pois tem a saúde
que aprendeu com a vida

sábado, 15 de maio de 2010

Revés do tempo


De repente o telefone toca. Ela atende e imediatamente reconhece a voz. Era ele, depois de muito tempo que não se viam ou falavam. Deixaram de ser amigos. A sua supresa foi grande.

- Oi.

- Oi. A voz dele estava embargada.

- O que aconteceu?

- Ela me deixou! O choro dele saiu como água de represa que desaba.

Ela ficou muda por alguns segundos. Não sabia o que dizer. Depois falou:

- Estou indo aí. Você ainda mora no mesmo lugar?

Ela foi ao seu encontro. No caminho se perguntava por que, naquele momento difícil, era a ela quem ele recorria. Porque a escolheu para dividir sua dor... principalmente a dor do abandono? Ela sabia bem que dor era aquela e por isso não negou o colo, a escuta.

Ele abriu a porta cabisbaixo, mas não tinha como esconder a devastação que o fato havia lhe causado. Abraçaram-se emocionados. Permaneceram em silêncio, que só era quebrado pelos soluços e sons das lágrimas dele que caiam feito cascata dos olhos vermelhos. Assim permaneceram por um bom tempo.

Quando ele adormeceu em seu colo ela se foi. Lhe deixou um bilhete dizendo:

"Se precisar do meu silêncio de novo, estamos aí!"

Fechou a porta e saiu sorridente. Ele finalmente estava crescendo.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Ditado de vovó


"Coração de gente é terra que ninguém habita."




Post em homenagem a Carlos, que reclamou do tamanho dos anteriores.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Prosa-poética-bem-humorada

Sobre o amor (Ferreira Gullar)


Houve uma época em que eu pensava que as pessoas deviam ter um gatilho na garganta: quando pronunciasse — eu te amo —, mentindo, o gatilho disparava e elas explodiam. Era uma defesa intolerante contra os levianos e que refletia sem dúvida uma enorme insegurança de seu inventor. Insegurança e inexperiência. Com o passar dos anos a idéia foi abandonada, a vida revelou-me sua complexidade, suas nuanças. Aprendi que não é tão fácil dizer eu te amo sem pelo menos achar que ama e, quando a pessoa mente, a outra percebe, e se não percebe é porque não quer perceber, isto é: quer acreditar na mentira. Claro, tem gente que quer ouvir essa expressão mesmo sabendo que é mentira. O mentiroso, nesses casos, não merece punição alguma.

Por aí já se vê como esse negócio de amor é complicado e de contornos imprecisos. Pode-se dizer, no entanto, que o amor é um sentimento radical — falo do amor-paixão — e é isso que aumenta a complicação. Como pode uma coisa ambígua e duvidosa ganhar a fúria das tempestades? Mas essa é a natureza do amor, comparável à do vento: fluido e arrasador. É como o vento, também às vezes doce, brando, claro, bailando alegre em torno de seu oculto núcleo de fogo.

O amor é, portanto, na sua origem, liberação e aventura. Por definição, anti-burguês. O próprio da vida burguesa não é o amor, é o casamento, que é o amor institucionalizado, disciplinado, integrado na sociedade. O casamento é um contrato: duas pessoas se conhecem, se gostam, se sentem a traídas uma pela outra e decidem viver juntas. Isso poderia ser uma coisa simples, mas não é, pois há que se inserir na ordem social, definir direitos e deveres perante os homens e até perante Deus. Carimbado e abençoado, o novo casal inicia sua vida entre beijos e sorrisos. E risos e risinhos dos maledicentes. Por maior que tenha sido a paixão inicial, o impulso que os levou à pretoria ou ao altar (ou a ambos), a simples assinatura do contrato já muda tudo. Com o casamento o amor sai do marginalismo, da atmosfera romântica que o envolvia, para entrar nos trilhos da institucionalidade. Torna-se grave. Agora é construir um lar, gerar filhos, criá-los, educá-los até que, adultos, abandonem a casa para fazer sua própria vida. Ou seja: se corre tudo bem, corre tudo mal. Mas, não radicalizemos: há exceções — e dessas exceções vive a nossa irrenunciável esperança.

Conheci uma mulher que costumava dizer: não há amor que resista ao tanque de lavar (ou à máquina, mesmo), ao espanador e ao bife com fritas. Ela possivelmente exagerava, mas com razão, porque tinha uns olhos ávidos e brilhantes e um coração ansioso. Ouvia o vento rumorejar nas árvores do parque, à tarde incendiando as nuvens e imaginava quanta vida, quanta aventura estaria se desenrolando naquele momento nos bares, nos cafés, nos bairros distantes. À sua volta certamente não acontecia nada: as pessoas em suas respectivas casas estavam apenas morando, sofrendo uma vida igual à sua. Essa inquietação bovariana prepara o caminho da aventura, que nem sempre acontece. Mas dificilmente deixa de acontecer. Pode não acontecer a aventUra sonhada, o amor louco, o sonho que arrebata e funda o paraíso na terra. Acontece o vulgar adultério — o assim chamado —, que é quase sempre decepcionante, condenado, amargo e que se transforma numa espécie de vingança contra a mediocridade da vida. É como uma droga que se toma para curar a ansiedade e reajustar-se ao status quo. Estou curada, ela então se diz — e volta ao bife com fritas.

Mas às vezes não é assim. Às vezes o sonho vem, baixa das nuvens em fogo e pousa aos teus pés um candelabro cintilante. Dura uma tarde? Uma semana? Um mês? Pode durar um ano, dois até, desde que as dificuldades sejam de proporção suficiente para manter vivo o desafio e não tão duras que acovardem os amantes. Para isso, o fundamental é saber que tudo vai acabar. O verdadeiro amor é suicida. O amor, para atingir a ignição máxima, a entrega total, deve estar condenado: a consciência da precariedade da relação possibilita mergulhar nela de corpo e alma, vivê-la enquanto morre e morrê-la enquanto vive, como numa desvairada montanha-russa, até que, de repente, acaba. E é necessário que acabe como começou, de golpe, cortado rente na carne, entre soluços, querendo e não querendo que acabe, pois o espírito humano não comporta tanta realidade, como falou um poeta maior. E enxugados os olhos, aberta a janela, lá estão as mesmas nuvens rolando lentas e sem barulho pelo céu deserto de anjos. O alívio se confunde com o vazio, e você agora prefere morrer.

A barra é pesada. Quem conheceu o delírio dificilmente se habitua à antiga banalidade. Foi Gogol, no Inspetor Geral quem captou a decepção desse despertar. O falso inspetor mergulhara na fascinante impostura que lhe possibilitou uma vida de sonho: homenagens, bajulações, dinheiro e até o amor da mulher e da filha do prefeito. Eis senão quando chega o criado, trazendo-lhe o chapéu e o capote ordinário, signos da sua vida real, e lhe diz que está na hora de ir-se pois o verdadeiro inspetor está para chegar. Ele se assusta: mas então está tudo acabado? Não era verdade o sonho? E assim é: a mais delirante paixão, terminada, deixa esse sabor de impostura na boca, como se a felicidade não pudesse ser verdade. E no entanto o foi, e tanto que é impossível continuar vivendo agora, sem ela, normalmente. Ou, como diz Chico Buarque: sofrendo normalmente.

Evaporado o fantasma, reaparece em sua banal realidade o guarda-roupa, a cômoda, a camisa usada na cadeira, os chinelos. E tudo impregnado da ausência do sonho, que é agora uma agulha escondida em cada objeto, e te fere, inesperadamente, quando abres a gaveta, o livro. E te fere não porque ali esteja o sonho ainda, mas exatamente porque já não está: esteve. Sais para o trabalho, que é preciso esquecer, afundar no dia-a-dia, na rotina do dia, tolerar o passar das horas, a conversa burra, o cafezinho, as notícias do jornal. Edifícios, ruas, avenidas, lojas, cinema, aeroportos, ônibus, carrocinhas de sorvete: o mundo é um incomensurável amontoado de inutilidades. E de repente o táxi que te leva por uma rua onde a memória do sonho paira como um perfume. Que fazer? Desviar-se dessas ruas, ocultar os objetos ou, pelo contrário, expor-se a tudo, sofrer tudo de uma vez e habituar-­se? Mais dia menos dia toda a lembrança se apaga e te surpreendes gargalhando, a vida vibrando outra vez, nova, na garganta, sem culpa nem desculpa. E chegas a pensar: quantas manhãs como esta perdi burramente! O amor é uma doença como outra qualquer.

E é verdade. Uma doença ou pelo menos uma anormalidade. Como pode acontecer que, subitamente, num mundo cheio de pessoas, alguém meta na cabeça que só existe fulano ou fulana, que é impossível viver sem essa pessoa? E reparando bem, tirando o rosto que era lindo, o corpo não era lá essas coisas... Na cama era regular, mas no papo um saco, e mentia, dizia tolices, e pensar que quase morro!...

Isso dizes agora, comendo um bife com fritas diante do espetáculo vesperal dos cúmulos e nimbos. Em paz com a vida. Ou não.


Texto extraído do livro "A estranha vida banal", editora José Olympio - 1989, e consta da antologia "As 100 melhores crônicas brasileiras", Editora Objetiva, pág. 279 - Rio de Janeiro - 2005, organização e introdução de Joaquim Ferreira dos Santos.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Do fundo do coração, ou Love, Love, Love - Caio F.


Sempre acreditei que toda vez que a gente entra numa igreja pela primeira vez, vê uma estrela cadente ou amarra no pulso uma fitinha de Nosso Senhor do Bonfim, pode fazer um pedido. Ou três. Sempre faço. Quando são três, em geral, esqueço dois. Um nunca esqueci. Um sempre pedi: amor.

Nunca tinha tido um amor. O quê? Aos 35 anos, agitando desse jeito? Explico: claro que tive dúzias e dúzias, outro dia até tentei contar e me perdi na altura do número cento e trinta e muito. Mas tudo rapidinho, assim, uma hora, um dia, uma semana, um mês, pouco mais. Nunca, digamos, UM ANO. Então quando alguém suspirava e dizia cara estou saindo de um caso de DEZ anos, meu olho arregalava de pura inveja. Histórias mais compridinhas, claro que rolaram. Maria Clara, por exemplo, mas a gente morava, eu em Sampa, ela no Rio, amor-ponte-aérea. Caríssimo. Isso, das moças. Dos moços, aquele bailarino americano em London, London, quatro/cinco meses. Talvez seis? Numa tarde de compras e roubos em Portobello Road me deu de presente um cacto (perfeito!) e me deixou plantado até hoje. Esse era amor-de-metrô, último trem entre Hammersmith e Euston. Onde andará? (“Onde andará?” é das perguntas mais tristes que conheço, sinônimo de se perdeu.)

Eis que de tanto pedir, insistir, acender vela, fazer todos os feitiços para Santo Antônio e Oxum e concentrar, rezar, mentalizar, eis que pintou. Ano passado me baixou um encosto de São Francisco de Assis, joguei (literalmente) pela janela quase tudo que tinha e, com duas malas, parti para o Rio. Não queria mais me prender a nada. Nem a Sampa, bem-amada. Numa ida a Porto Alegre, em agosto, deu-se. Explosão: à primeira vista. Tudo o que dissemos, depois de um longo suspiro de alívio, foi: eu amo você. Pasmem: verdade das verdadeiras. Ousadias do coração que saca, na hora, a intensidade do lance.Itálico E não disfarça. Bueno, tinha pintado. Então tá. Romance comme il faut: dias numa casinha no meio de bosques em Gramado. Depois a volta ao Rio e, como dizia Ana Cristina Cesar (Aninha, Ana C., a bela, que falta você me faz menina fujona!), “amizade nova com o carteiro do Brasil”. Laudas e laudas de cartas de amor, uma por dia, duas por dia, dez por dia. Fotos, poemas, juras interurbanas. Voltei. Nós fomos os dois para o Rio. Dois meses lá: o amor resistia, mas nenhum estava a fim de pegar no pesado. Então fazer o quê? Dividir quarto pensão na Lapa, andar de ônibus, comer espiga de milho e misto quente? Nenhum acreditava em teu-amor-e-uma-cabana, também não era preciso teu-amor-e-um-rolls-royce (seria ótimo), mas pelo menos uma vitrolinha para fazer amor ao som do Bolero, de Ravel (amor tem desses lugares-comuns quase inconfessáveis). Voltamos. Verão em Torres. Camas de trinta horas. Passeios. Dunas, praia da Guarita. Filme. A sunga verde de lycra.

De repente uma luzinha vermelha começou, cigarro no escuro, a piscar dentro de mim. Foi no carnaval que passou. Suspeitas: porra, eu me afastei de tudo, de todos, joguei tudo pro alto e só quero esse amor, nada mais me interessa, se esse amor me faltar (pode?) eu só tenho isso, é o único laço que me prende à vida - e se faltar, Deus, se faltar o que faço? Noites paranóicas, medo Ritchie. E… se dançar? Aí dançou. Foi dançando. Não sei bem como. Uma tarde peguei nas suas mãos e, bem cruel (punhais: como a gente sabe apunhalar com engenho e arte, crava devagarinho a lâmina, depois revira, dentro da ferida), pedi assim: olha bem dentro dos meus olhos e me responde à seguinte pergunta: “Você não me ama mais?” Silêncio tão espesso que consegui ouvir o ruído do movimento de rotação da Terra. Feito nas novelas das seis, eu abri a boca quando ouvi a resposta. Um lento Não. Um claro Não. Um seguro Não. Um límpido Não. Um tranquilo Não. Um sem dúvida alguma Não. Um afirmativo Não. Repete, pedi. Repetiu. Pede-se não enviar flores, pensei. Fechei a porta. Fiquei só, chovia. Com requintes de autopiedade, limpei devagarinho com feltro um disco da Elis, deitei no chão e ouvi umas cem vezes “Se quiser falar com Deus”. Quando já ia abrir o gás, corri para o telefone e pedi ao Zé Márcio Penido em Sampa: socorro. Vem, ele disse. Santo amigo. Fui, na mesma hora. Me estonteei, vi todos os filmes, todas as peças, revi todos os amigos, ouvi todos os discos, namorei o que deu. Tinham sido NOVE MESES de fidelidade, no amor-amor, é sempre supernatural. Quando decidi estou-ótimo-fullgás-total-posso-voltar, voltei. The reencontro: quando dei por mim estava dizendo as coisas mais duras e agressivas e cruéis e impiedosas e injustas e ferinas e baixas e grossas que uma pessoa pode dizer à outra. Comecei a me perder pela cidade. Selecionei vinte gatos & gatas mais lindos do pedaço, dez semifinalistas, cinco finalistas, transei todos. Saí sem parar. De bar em bar, telefone tocando sem parar. Explodindo de vitalidade e saúde e sedução: capacidade de superação. Puxa, gente, como sou maravilhoso, como sou maduro e equilibrado, como sei dar a volta por cima, como não sou careta, como sou moderno e liberadésimo. Aí, desabou. Dez dias. De manhã bem cedo, chegando da vida, percebi uma pequena rachadura na parede externa do edifício. Avançava lentíssimamente. Ao meio-dia rachou de alto a baixo. O edifício veio ao chão: me interna, pedi pra mãe, estou infeliz pra caralho. Peguei o pacote de cartas que tinha pedido de volta (fiz absolutamente todos os números, o problema é que a plateia estava vazia: ninguém aplaudiu minha melhor sequência de sapateado), coloquei aos pés de Ogum.

E agora, Caio F.? Agora, estou amanhecendo. Ah, me digo, então era assim. Essa coisa, o amor. Já conheço? Já conheço. Mas como é mesmo que se chama? Também não estou certo se estarei mesmo amanhecendo. Talvez, sim, anoitecendo, essas luzes penumbrosas são muito parecidas. Não sei muita coisa. Quase nada. Pedi? Levei. Nunca tinha sido tão intenso, nem tão bonito. Nunca tinha tido um jeito assim, tão forever. Não me diga que vai passar, vai passar, vai passar, vai passar. Não me diga que foi ótimo, o que você queria, a eternidade? Não me peça para não te encher o saco lamuriando. Posso não saber nada do coração das gentes, mas tenho a impressão, de que, de tudo, o pior é quando entra a segunda parte da letra de “Atrás da porta”, ali no quando “dei pra maldizer o nosso lar pra sujar teu nome, te humilhar”. Chico Buarque é ótimo pra essas coisas. Billie Holiday é ótima pra essas coisas. E Drummond quando ensina que “o amor, caro colega, esse não consola nunca de núncaras”. Aí você saca que toda música, toda letra, todo poema, todo filme, toda peça, todo papo, todo romance, tudo e todos o tempo todo, antes, agora e depois, falam disso. Que o que você sente é único & indivisível e é exatamente igual à dor coletiva, da Rocinha a Biarritz. O coro de anjos de Antunes Filho levanta no ar, em triunfo, os corpos mortos de Romeu e Julieta enquanto os Beatles pedem um little help from my friends, e a plateia ainda aplaude de pede bis (o Gonzaguinha também é ótimo pra essas coisas). Meus amigos, abandonados para que eu pudesse mergulhar, voltaram a mil. Tem seus prazeres o fim do amor. Se é patologia, invenção cristã-judaico-ocidental-capitalista, ou maya, ego, se é babaquice, piração, se mudou-através-dos-tempos, puro sexo, carência, medo da morte: não interessa. Tenho certeza que estive lá, naquele terreno. Ele existe.

Por isso falo dele: Joyce e Paula me pediram elucubrações, as minhas são estas. Estou contando a vocês que estou fazendo elucubrações sobre o amor porque provavelmente, de uma outra forma vocês aí que me leem, talvez com tédio, também estão pensando a mesma coisa. O bicho homem não faz outra coisa a não ser pensar no amor. Até as relações de produção, a luta de classes, a ecologia, o jogo pelo poder: tudo, questão de amor. Formas de amor. Amor é palavra que inventamos para dar nome ao Sol abstrato em torno do qual giram nossos pequeninos egos ofuscados, entontecidos, ritmados. A vida toda. Mas se me perguntarem o que quero dizer com isso, não tenho resposta. O que quero dizer é justamente o que estou dizendo. Não estou com pena de mim. Tá tudo bem. Tenho tomado banho, cortado as unhas, escovado os dentes, bebido leite. Meu coração continua batendo - taquicárdico, como sempre. Dá licença, Bob Dylan: it’s all right man, I’m just bleeding. Tá limpo. Sem ironias. Sem engano. Amanhã, depois, acontece de novo, não fecho nada, não fechamos nada, continuamos vivos e atrás da felicidade, a próxima vez vai ser ainda quem sabe mais celestial que desta, mais infernal também, pode ser, deixa pintar. Se tiver aprendido lições (amor é pedagógico?), até aproveito e não faço tanta besteira. Mas acho que amor não é cursinho pré-vestibular. Ninguém encontra seu nome no listão dos aprovados. A gente só fica assim. Parado olhando a medida do Bonfim no pulso esquerdo, lado do coração e pensando, pois é, vejam só, não me valeu.


Texto de Caio F. publicado na Revista Around em 1985 em que relatou o seu sentimento após o fim de um relacionamento. Paula Dip, grande amiga do Caio e autora da sua "biografia" mais recente, publicou o seguinte comentário ao final do texto no livro "Para sempre teu, Caio F.": "Havia apenas uma coisa pior do que Caio apaixonado: era ele estar sem uma paixão. Nunca vi alguém tão dedicado à arte do encontro, tão desejoso de uma relação. E tão incapaz de mantê-la."

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Disque-Jamanta


Quando o Caio criou o disque-jamanta, creio que não imagina a repercussão que o serviço teria. O disque-jamanta é verdadeiramente um serviço de utilidade pública... E a Jamanta não é aquela personagem do Cacá Carvalho que queria matar a Sandrinha.

Quem nunca pensou em contratar o serviço do disque-jamanta para acabar com a própria vida, já que não tinha coragem para fazê-lo, justamente por imaginar que seus problemas são sempre os piores e insolúveis?

Quem nunca pensou em contratar o serviço do disque-jamanta para passar por cima daquela pessoa que você gostaria de ver estraçalhada por uma fração de segundos: aquele colega chato do trabalho, aquela criatura tetronha que insiste em te ligar e enviar torpedos e e-mails cheios de galanteios, aquele ser que num dia dizia que te amava e no outro te abandonou, aquele torcedor do time adversário que fica tirando sarro de você, aquela amig@ bonit@ e sensual que atrai todos os olhares enquanto você passa despercebid@, aquele criança birrenta que fica fazendo escândalo no supermercado, aquela vizinha que acorda aos domingos e liga o som nas alturas tocando "rebolation" e ainda resolve acompanhar a cantoria. Você então pensa: Ah uma jamanta aqui e agora!!!

Enfim, motivos não nos faltam no dia-a-dia pra querer contratar o serviço do disque-jamanta. Mas para mim, sua principal função continua sendo a de mostrar o real tamanho dos nossos problemas. De trazer a gente para a realidade e demonstrar que nada é tão ruim que não possa piorar, então... levante a cabeça e vamos à luta companheiro.

"Estás desempregado? Teu amor sumiu? Calma: sempre pode pintar uma jamanta na esquina." Caio F.

domingo, 2 de maio de 2010

Humildade

Sempre gostei das coisas da Cora Coralina. Este poema talvez diga um pouco do que sinto neste momento. É ela falando por mim... súplica de quem ainda acredita que exista um Deus, seja que forma ou nome queira dar a ele.

"Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.

Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.

Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura
numa terra sedenta
e num telhado velho.

Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.”

Cora Coralina