sábado, 14 de novembro de 2009

Amigo é casa

Quando estava de partida para o Brasil ficava sempre a pensar como seria meu retorno. Tinha medo de me sentir estranha no lugar que adotei como lar. Tinha medo das mudanças que ocorreram em minha ausência... tinha medo de mim.

Ao avistar São Paulo e suas luzes quentes de dentro do avião, meu coração instantaneamente se encheu de alegria. Mas um alegria tão doce... não tinha nada de euforia... só mesmo uma doce e calma alegria. Naquele instante minha alma foi inundada por uma esperança e vigor que eu nem sei de onde vinham. Firmei o corpo e disse: estou em casa!!!

Ah... e como estou em casa! Cada abraço de amigo que reencontro é um abrigo do tamanho do mundo! Assim, eu me lembro a todo momento que estou em casa e que não tenho do que ter medo. Sei que no escuro da noite, quando os fantasmas gostam de vir nos assombrar... terei sempre uma mão amiga que me transmitirá calor e uma voz que sussurará em meu ouvido: - Está tudo bem... pode voltar a sonhar novamente.

Amigo é casa
(Capiba e Hermínio Bello de Carvalho)

Amigo é feito casa que se faz aos poucos
e com paciência pra durar pra sempre
Mas é preciso ter muito tijolo e terra
preparar reboco, construir tramelas
Usar a sapiência de um João-de-barro
que constrói com arte a sua residência
há que o alicerce seja muito resistente
que às chuvas e aos ventos possa então a proteger
E há que fincar muito jequitibá
e vigas de jatobá
e adubar o jardim e plantar muita flor toiceiras de resedás
não falte um caramanchão pros tempos idos lembrar
que os cabelos brancos vão surgindo
Que nem mato na roceira
que mal dá pra capinar
e há que ver os pés de manacá
cheínhos de sabiás
sabendo que os rouxinóis vão trazer arrebóis
choro de imaginar!
pra festa da cumieira não faltem os violões!
muito milho ardendo na fogueira
e quentão farto em gengibre
aquecendo os corações
A casa é amizade construída aos poucos
e que a gente quer com beira e tribeira
Com gelosia feita de matéria rara
e altas platibandas, com portão bem largo
que é pra se entrar sorrindo
nas horas incertas
sem fazer alarde, sem causar transtorno
Amigo que é amigo quando quer estar presente
faz-se quase transparente sem deixar-se perceber
Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar,
se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer
Amigo a gente acolhe, recolhe e agasalha
e oferece lugar pra dormir e comer
Amigo que é amigo não puxa tapete
oferece pra gente o melhor que tem e o que nem tem
quando não tem, finge que tem,
faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Galeano

Eu fui apresentada à belíssima obra de Eduardo Galeano pela Branca. Ficávamos a ouví-lo declamar suas belas histórias poéticas nas estradas de Angola. Este foi um dos muitos presentes que ela me dera. Na verdade, aquela mocinha foi um presente pra mim... inteira! Ela foi um presente que me trouxe outros tantos.

Compartilho com vocês uma homenagem que ela me fez em seu blog... e que me levou às lágrimas. Coincidência ou não, foi um dos textos dele que mais gostei.

Un hombre del pueblo de Neguá, en la costa de Colombia, pudo subir al cielo.
A la vuelta, contó. Dijo que había contemplado, desde allá arriba, la vida humana. Y dijo que somos un mar de fueguitos.
El mundo es eso - reveló - Un montón de gente, un mar de fueguitos.
Cada persona brilla con la luz propia entre todas las demás. No hay dos fuegos iguales. Hay gente de fuegos grandes y fuegos chicos y fuegos de todos los colores. Hay gente de fuego sereno, que ni se entera del vento, y gente de fuego loco, que llena el aire de chispas. Algunos fuegos, fuegos bobos, no alumbran ni queman; pero otros arden la vida con tantas ganas que no se puede mirarlos sin parpadear, y quien se acerca, se enciende.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Meu querido diário...


Estou de volta ao meu país. Que sensação boa. Estar de volta, perto dos meus...

Sinto saudade de quem deixei por lá e que também passou a fazer parte da minha vida de maneira significativa. Sinto falta do chimarrão de todo dia e da minha companheira de cuia, principalmente.

Tô com bastante preguiça de escrever... a mente está "a funcionare" lentamente. Mas está tudo bem. "A mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo..." Isso é o que importa. A saudade me acompanhará sempre... porque como diz o Caio: "alguma coisa sempre faz falta..."

"Ai. A saudade é uma coisa azul e amarga com carne por fora e espinho por dentro."

Caio F.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A pessoa, segundo Pessoa...

Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.

Fernando Pessoa, 1934

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Musas


Estava meio sem inspiração para escrever sobre amenidades nos últimos dias. A mente estava embotada... imersa em trabalho e problemas. Mas hoje, ao ler no The New York Times uma matéria que relatava a parceria inigualável entre Pedro Almodóvar e Penélope Cruz, me senti inspirada a escrever.

Eu adoro o Almodóvar. Adoro seus filmes... sua poesia e crueza, acidez e doçura. Adoro como ele retrata os dramas do cotidiano e cria personagens complexos e assutadoramente humanos.

Uma coisa me chamou atenção na matéria e despertou o desejo de escrever. Eis a resposta do cineasta quando o repórter lhe perguntou se Cruz era sua musa:

"Bem, sim. Ela é uma musa para mim no sentido de que uma musa é alguém que o torna melhor do que você é. Acho que sou um diretor melhor com ela, porque ela acredita que eu sou melhor do que eu sou, e essa fé cega me dá muita força".

Eu nunca havia pensado no termo "musa" com esse sentido. Hoje ele é utilizado de maneira vulgar, que nada tem a ver com a poesia do Almodóvar. Adorei a resposta.

Imediatamente me pus a pensar quem são as musas da minha vida. Quais são as pessoas que acreditam que sou melhor do realmente sou. E que acreditando, tendo fé em mim... acabam me ajudando a ser de fato melhor do que poderia ser, caso ela não existisse com a sua fé.

Acho que tenho muitas musas e "musos". Tento diariamente corresponder à fé que depositam em mim. Todos os dias procuro fazer jus ao amor que recebo e agradeço comovida... porque pior do que aquele que não sabe amar, é quem não sabe ser amado. Estou em processo de aprendizagem dessas duas coisas faz algum tempo, e preciso aprender mais. Mas dá um trabalho...

O que eu já aprendi é que não tem coisa melhor do que alguém ter fé em você. E que é um desafio diário ter fé em alguém... ajudar a transformar o que poderia ser cinza em matéria viva e ardente.