Naquela noite Dra. Vani estava disposta a resolver seus problemas financeiros. Iria de qualquer jeito angariar uns clientes para seu consultório. Banhou-se com candura. Vestiu-se com esmero. Pôs nos pés "seu rico scarpin amarelo". Gastou as últimas gotas de seu perfume importado. Penteou seu cachos tinturados com delicadeza. Partiu para a batalha.
Chegou ao Bar de Geraldo e acomodou-se numa mesa perto de um suposto casal. Os dois riam sem parar. E não era um riso sutil... eram gargalhadas sonoras que chamavam a atenção de todos os clientes. Pareciam muito felizes. Ela então pensou: "Esses aí não parecem ter problemas. Não são clientes em potencial". Ficou ali a observar, tentando identificar gente infeliz. Passada meia hora ela ouve um daqueles dois supostamente muito felizes dizer ao garçom que lhes servia mais uma dose de caipirinha:
- A gente só quer a dobrada, porque a tristeza hoje é grande! Quanto maior a tristeza, maior tem que ser a dose!
Eles repetiam aquilo e riam nervosamente. O garçom, que parecia lhes conhecer de longa data, obedecia sem questionar e trazia as tais "dobradas", que eram exclusividade daquela mesa. O radar da Dra. logo apitou e ela se aproximou dos dois para escutar melhor a conversa.
Falavam coisas que só eles pareciam compreender. Aparentemente se queixavam de amores mal sucedidos. Para entender melhor o que falavam era necessário muita atenção e sensibilidade. Precisava ler nas entrelinhas e abstrair os palavrões.
- Aquele desgraçado cagou um quilo certo na minha cabeça. Fui humilhada!!! (A mulher repetia como um disco riscado).
O amigo só ria e dizia:
- Ô amiga... e eu? Tive que enfiar a cabeça no c... e dar cinco voltas! Me humilhei também!!! A gente paga!!! (Gargalhavam sacudindo os corpos e jogando as cabeças para trás. Se abraçavam e pediam mais uma "dobrada"). - Me dá mais uma dose de tristeza! A gente só tá bebendo assim porque tá triste! Isso não é cachaça não... é tristeza fio!
O garçom já não ria mais. Já passava das quatro da manhã e eles não iam embora. Só restavam eles e a Dra. sentados no bar. Ela encorajou-se e perguntou pra um deles se podia se juntar à mesa animada. O rapaz logo respondeu:
- Claro ninha... sente aí. Mas eu vou logo te avisando que a gente hoje tá triste!
Dra. Vani disse que não se importava, que estava a observá-los fazia tempo e que precisava de companhia também. Engatou uma conversa sobre essas coisas do coração, que ela conhecia bem. Desilusões eram sua especialidade. Falava do assunto com conhecimento de causa. Dispunha de uma vasta lista de episódios que poderia compartilhar e... lamentar.
A conversa se entendeu até as seis da manhã. Riram e beberam a noite inteira, dizendo que aquilo era "trsiteza". Os garçons foram embora e só restou Geraldo, dono do bar, que conhecia bem a dupla e os considerava clientes especiais. Ficaria ali até que eles desistissem. Uma hora eles se renderam. Quer dizer, tiveram que se render: acabou o limão, acabou o kiwi, acabou o morango. As dobradas já eram. Foram vencidos pela carência de matéria-prima para suas "tristezas".
Depois de muito ouvir sobre os dilemas e problemas da dupla e compartilhar os seus, na despedida, Dra. Vani - que já havia conquistado sua confiança -, sacou seus flyers e os convidou para comparecerem ao seu consultório naquela tarde. Disse que os aguardaria para uma consulta "sem compromisso" e que os ajudaria a vencer suas dificuldades. A mulher, num riso sarcástico guardou o papel na bolsa e disse:
- A gente já faz terapia! A gente faz a terapia do "activia e red label". Você não conhece?
Dra. Vani, tão antenada com as novas tendências da psicoterapia, se surpreendeu. Nunca ouvira falar em algo parecido. Seria alguma nova droga lançada pelo mercado farmacêutico? Seria alguma técnica revolucionária criada por algum nerd americano? Constrangida com sua ignorância no que se refere às novas tendências de sua área competência, respondeu cabisbaixa:
- Não, essa eu ainda não ouvi falar...
A dupla ri escandalosamente e grita, se distanciando:
- É a terapia do "cagando e andando" para os problemas. A gente vai te mostrar agora!
E sairam rindo e fazendo uma coreografia que mais parecia a "dança da galinha" (aquele hit do Luiz Caldas nos anos 80), indo pra frente e pra trás.
Num misto de incredulidade e alívio, Dra. Vani também soltou uma gargalhada e se foi, certa de que eles apareceriam no seu consultório no dia seguinte. Tinha enfim encontrado seus clientes ideais.
Essa história tá muito emocionante!... bate "quem matou Odete Roitman?"
ResponderExcluirEssa história tá muito emocionante!... bate "quem matou Odete Roitman?". Sou sua fã, Dra. Vani!!!
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