Dra. Vani não era uma aluna das mais brilhantes. Poderíamos considerá-la mediana. Não que lhe faltasse inteligência, o que lhe faltava era disposição para os estudos. Sempre foi assim: só estudava o suficiente "pra passar". Faltava às aulas o quanto podia e mesmo quando ia só vivia a "fazer uma social" com os colegas. Era muito popular. A nimadora de festa oficial da faculdade. Se morasse nos EUA seria, com certeza, a rainha do baile.
Quando se formou, ficou desesperada. Não tinha dinheiro pra alugar uma sala e abrir seu consultório. Teve uma crise de consciência e não queria mais explorar o pobre coitado do pai que sustentara suas suas loucuras durante todos aqueles anos. Então teve a idéia de se desfazer de seus bens mais preciosos: uma barraca de praia "luxuosa", que comprou juntando o dinheiro da merenda durante o Ensino Médio; um carro velho, mas cheio de histórias, que a cada km rodado precisava ser empurrado e; uma edição rara do primeiro disco de Sarajane, a moça do "abre a rodinha, por favor!"
Com a grana da venda destes "bens preciosos" conseguiu pagar um mês de aluguel de uma sala, não muito agradável, no nobre bairro da Pituba. A decorou com carinho, usando objetos pessoais que faziam parte de sua coleção de quinquilharias hippies compradas nas praias por onde passava. É... além de tudo a Dra. Vani era conhecida entre os amigos como pseudo-hippie, pois não conseguia sustentar o estilo por muito tempo. Não resistia a um perfume importado e a uma tintura no cabelo. O dinheiro não foi suficiente para adquirir móveis decentes, então pegou uma velha escrivanhinha na casa da avó e no lugar do divã instalou uma rede em seu consultório. Ficou feliz com o resultado, pois daquele jeito os seus pacientes se sentiriam "em casa". Colocou uma plaquinha na porta onde se lia: "Dra. Vani - Tirapeuta Holística". É... eu não escrevi errado, era "Tirapeuta" mesmo e logo todos entenderão o por quê. Ela não queria ser como as outras. E o holística foi parar lá só porque ela achava a palavra "sonora".
Preparado o ambiente, Dra. Vani acordava ao meio-dia e chegava ao consultório às 13 horas, impreterivelmente. Só atendia à tarde, porque quem precisa acordar cedo pra fazer "tirapia" é peão e peão não teria "aqüé" pra pagar seus honorários obscenos, como já dito anteriromente. Na primeira semana não apareceu ninguém. Ela se preocupou, pois precisava garantir o aluguel do espaço no mês seguinte. Foi então que teve a idéia de confeccionar uns flyers divulgando seus serviços e distribuir nas boates onde dançava. Peregrinou também pelos bares da Pituba e da Barra, além da praia do Porto e adjacências. Ela escolhia seus clientes a dedo e estava certa de que era nestes ambientes que encontraria os "problemáticos" que necessitariam dos seus serviços. E não deu outra.
Na segunda semana bate à sua porta um cidadão esquisito, com dentes amarelados e bonitos, olheiras fundas, cabelo black power, barba por fazer. O paciente dos sonhos da Dra. Ela abriu a porta e sorriu cortês para o moço ali parado, quase catatônico. Ela o convidou para entrar e pediu que se deitasse na rede.
Dra. Vani (sorridente): - Como tomou conhecimento dos meus serviços?
Black-power (investigando o ambiente): - Peguei um flyer no Bar de Geraldo.
Dra. Vani (tentando lembrar do lugar): - Hum... que interessante.
O Black-power observa o ambiente, levanta-se e brinca com um filtro dos sonhos pendurado na parede. Ela o conduz delicadamente para a rede de novo.
Dra. Vani: - Me conte o que te trouxe aqui.
Black-power (irônico, quase agressivo): - Um jegue é que não foi!
Dra. Vani: - Não foi isso que eu perguntei. Eu quero saber qual é o seu problema, o que te aflige, o que te angustia.
Black-power: -Eu não encontro meu lugar no mundo.
Dra. Vani tem o dom de diagnosticar "logo de cara". E assim o fez.
Dra. Vani (com cara de quem fez uma grande descoberta): - Seu problema é simples de resolver. Eu assisti um filme de um moço que tinha o mesmo problema que você. Ele vendeu tudo o que tinha, queimou parte do dinheiro, colocou uma mochila nas costas e foi pro Alaska. Conheceu um monte de gente bacana, viveu muitas aventuras, leu muitos livros, escreveu suas memórias, aprendeu sobre a vida e as pessoas, emagreceu bastante... morreu e se tornou um herói. Até fizeram um filme com a história dele. Mas eu acho que você não precisa morrer não. Morrer foi exagero da parte dele. (Falava nervosamente, quase em estado hipnótico) Eu acho que você poderia fazer o mesmo. Mudar de ambiente radicalmente. Aqui é muito quente. Você tem cara de que não curte muito calor. O calor dificulta o raciocínio. E tem o suor também. A gente desidrata muito rápido, estraga a pele, envelhece cedo, pode pegar um câncer. Acho o Alaska uma ótima opção pra você. O frio enbranquece, você sabia? E dizem que alisa e clareia o cabelo também. Se metade do povo daqui migrasse pra lá ia ser uma beleza! Todo mundo branco e de cabelo liso sem precisar gastar nada. Além disso lá tem sol à noite... e aquela brancura da neve. Eu adouuuro neve! Nunca vi de perto, mas eu adouuuro! Lá não tem praia... mas tem rio, lago e urso polar. Imagina... viver perto dos ursos polares, em comunhão total com a natureza. Você pode até se engajar nessas campanhas de "Salvem os ursos polares" ou "Salvem a calota polar" e com essa cara... pode até ser garoto propaganda. Ta aí... lá você pode ser ator! Você já pensou em ser ator? Eu acho que você tem vocação pra ser ator. Uma cara bonita, um sorriso encantador, um estilo jovial... tudo que um ator precisa. Mata dois coelhos com uma cajadada só: encontra seu lugar no mundo e ainda ganha de quebra uma profissão glamourosa. Aparece na tv, pode ir no programa da Oprah, no Jô Soares. Podem até fazer um filme com a sua história. Já até vejo os letreiros luminosos a piscar: "Tirapia Holística da Dra. Vani transforma a vida de jovem atormentado". O que te parece?
Ela olha pra rede e o Black-power já não está mais lá. Procura ele pela sala, sem entender o que havia acontecido. Estava achando sua explanação tão convincente, sua idéia tão promissora. Estava feliz por ter encontrado tão facilmente a solução para aquela alma atormentada e ele some sem nada dizer? E o pior... sem pagar a consulta?!! "Tá certo isso??!!" perguntou para si mesma. Ficou revoltada por dois segundos. Depois, pegou seu caderninho de controle de atendimento e anotou "Black-power do Alaska" na coluna "Caridade" com uma nota: verificar nos próximos dois anos manchetes sobre brasileiro que se muda pro Alaska e salva ursos polares. Sua cota de caridade da semana já estava cumprida e com a grande possibilidade de torná-la famosa mundialmente. Restava agora arrumar pacientes pagantes. Fechou o consultório satisfeita, já elaborando um estratagema pra conseguir uns clientes. Lembrou do que o Black disse: -Bar de Geraldo... é pra lá que eu vou!
uaaaaaarhahahahahahahahahahaha! Amiga, eu tô passando mal! Ansiosa para os proximos pacientes!
ResponderExcluirTa certo isso? hahahahahhahahahaa me mijeiiiiiiiiiiiiii
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