quinta-feira, 22 de abril de 2010

Em terra de cego quem tem um olho é... maldito!


Li o romance de Saramago "Ensaio sobre a cegueira" há pelo menos 13 anos. Eu estava em plena adolescência, amadurecendo. Não consegui ler o livro de uma vez, como de hábito. Parei, hesitei... tamanha a complexidade da história descrita. Era um verdadeiro soco no estômago.

Eu sempre gostei de histórias complexas e que falassem sobre o humano. Porém aquela, naquele momento em particular, me pareceu difícil de digerir. Era um pouco demais para uma adolescente em formação. Depois de algumas semanas voltei ao livro e o concluí. Várias vezes senti meu estômago revirar, em diversos momentos as lágrimas rolaram em meu rosto. Senti vergonha de ser gente. Senti vergonha em ser humana. Me senti vil e "animalesca", frágil e estranhamente forte. Me vi, de alguma maneira, em cada um daqueles personagens.

Na terça assisti pela primeira vez a adaptação para o cinema do Fernando Meirelles. Com bastante atraso, visto que o filme foi lançado há muito tempo. Depois de experiências pouco exitosas, desisti de assistir adaptações de obras literárias que me tocaram para evitar a decepção, a sensação de perda de tempo. Curiosamente revivi as mesmas sensações de quando li o livro, porque com o tempo também aprendi a diferenciar as linguagens e sei que o cinema é uma outra proposta. Ainda prefiro a literatura, mas aprecio a linguagem cinematográfica e suas especificidades. O filme é uma pérola.

A genialidade de Saramago para descrever as idiossincrasias humanas é indiscutível. É um realismo fantástico que nos faz mergulhar na essência do "ser humano". O livro Ensaio sobre a cegueira me fez questionar essa essência. Fez com que eu me perguntasse há 13 anos atrás: O que é ser humano, afinal? Quando se perde o limite entre ser humano e ser animal? Que limiar é esse? Como podemos ser tão cruéis e ainda assim sermos humanos? Por que mesmo em situações limite, em que estamos todos "no mesmo barco" ainda queremos subjugar uns aos outros, por que temos sede de poder e desejo de humilhar? Por que somos tão sádicos?

Nunca encontrei as respostas. Acho que nunca saberei também, mas, de alguma forma, fazer estas perguntas já foi importante. Elas me levaram a outro lugar para além de mim e fizeram com que no meu cotidiano olhasse a vida e as pessoas com certa delicadeza pelo reconhecimento dessa nossa tão negada... fragilidade.

Mas o filme do Meirelles me trouxe uma outra reflexão. Menos profunda, talvez... mas não menos importante. Enxergar em terra de cego é benesse ou maldição? Ver o que os outros não podem enxergar é privilégio, é poder ou é algo que nos aprisiona em um mundo que é só nosso ou de poucos?

Não encontrei a resposta. O que sei é que às vezes, poder ver o que ninguém enxerga é libertador e em algumas ocasiões é desesperador. É solitário e angustiante. É como se tivéssemos o peso do mundo nas costas. É como nadar desesperadamente pra se salvar de não se sabe o quê.

Eu vejo coisas que são só minhas. Eu vejo coisas que só eu alcanço. E do que adianta ver e não poder compartilhar? É tão solitário. Então fico querendo o não-saber, o não-ver. Aprendi que o não-saber e o não-ver podem ser libertadores... mas ainda prefiro a solidão do enxergar. Acho que sempre terei uma mão amiga me tocando nessa hora, e se eu não tiver... ainda me restarão os papéis e o vento.

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