quarta-feira, 28 de abril de 2010

Hoje eu fui assaltada

Hoje eu pretendia continuar a navegar nos mares da poesia, embalada por Caio F. que dormiu comigo esta noite. Pretendia falar de encontros, de amores, de desencontros... desses fragmentos de vida que fluem nas veias das grandes cidades e das pequenas também. Porém, fui assaltada. De arma em punho, mais uma vez a realidade me furtou este bem: o olhar da poesia. Mas é só por hoje... amanhã eu o recupero. Tenho fé.

Quando me roubou o olhar da poesia hoje, a realidade – que só assalta os desavisados que vivem com os olhos bem abertos, ao contrário dos outros assaltantes, que preferem os distraídos – ela ficou nua pra mim. Atentado violento ao pudor, eu poderia alegar. E ainda mais, eu poderia alegar violência desmedida, pois a sua nudez não era igual àquelas que estampam as capas das revistas onde os ex- BBB´s moram atualmente. A sua nudez trouxe a dor e não o prazer.

No corpo dessa Realidade (sim, com letra maiúscula) estava escrita a história de um menino, um jovem menino. Negro, pobre, analfabeto, suburbano. Ele foi preso e julgado sumariamente pela polícia militar da bahia (isso mesmo, com letras minúsculas). Seu crime: ser negro, pobre, analfabeto e suburbano. Sua sentença: a morte. E tem quem acredite que não existe pena de morte no brasil (de novo, com letras minúsculas).

Ele morreu como muitos morrem todos os dias e pelos mesmos motivos: ter nascido negro e pobre, não ter se educado e não ter um lugar decente para morar. Praticamente um bicho. A culpa é dele. Nasceu todo errado. Na verdade, nem devia ter nascido! Os bravos policiais, cumpridores dos seus deveres, devem estar se sentindo muito honrados por lhes ser confiada a nobre obrigação de livrar a sociedade dessa “raça ruim”. O estado (mais uma vez, em letras minúsculas) deve estar se sentindo aliviado por ter menos um preto, pobre, analfabeto e suburbano para sustentar.

E eu... eu fico aqui, escrevendo: Preta como ele, Pobre como ele, Suburbana como ele. Fico aqui também pensando: ele sou eu, eu sou ele. E me pergunto: em que momento meu caminho se desviou do dele? Em que esquina deixamos de nos cruzar? Talvez eu saiba a resposta. Talvez nunca venha a saber, porque as vezes é melhor o não-saber.

Hoje eu fui assaltada. Quem me assaltou me levou tudo... Só deixou essa carcaça corpulenta e fria que - com os olhos arregalados flutuando em águas mornas e salgadas que escorrem até a boca - não tem o que dizer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário