quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O velho...

"Caí em meu patético período de desligamento. Muitas vezes, diante de seres humanos bons e maus igualmente, meus sentidos simplesmente se desligavam, se cansam, eu desisto. Sou educado. Balanço a cabeça. Finjo entender, porque não quero magoar ninguém. Este é o único ponto fraco que tem me levado à maioria das encrencas. Tentando ser bom com os outros, muitas vezes tenho a alma reduzida a uma espécie de pasta espiritual. Deixa pra lá. Meu cérebro se tranca. Eu escuto. Eu respondo. E eles são broncos demais para perceber que não estou mais ali."

Charles Bukowski

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A voz mais fiel

Eu adoro Maria Bethânia. Poderosa, altiva, hipnótica, transcendental, misteriosa e... antipática! Adoooooro a "antipatia" de Bethânia... e adoro vê-la em vestes de mortal.

Foi num destes raros momentos que vivi uma das situações mais engraçadas de minha vida. Maria Bethânia e meu amigo Fernandinho foram os protagonistas do episódio. Estávamos apenas ele, ela e eu. Até hoje rio ao lembrar. Ainda sou capaz de ouví-la dizer com o semblante entristecido e os braços estendidos em direção à imagem de Nossa Senhora da Purificação:

"- Por que lembrar Minha Daia, Fernandinho??"

Virou jargão. É impossível esquecer: ele humildemente ajoelhado a seus pés, ela contemplativa e soberana sentada em uma cadeira de palha. É o tipo de cena que definitivamente não se esquece.

Fico feliz em guardar algumas semelhanças com ela: nascemos na mesma cidade, somos do mesmo signo, somos filhas de Iansã. Esta última semelhança, com certeza, é a que mais nos aproxima. Somos filhas da senhora dos ventos fortes, dos raios e trovões.

Pierre Verger assim descreve o arquétipo da Oiá-Iansã:

“[...] é o das mulheres audaciosas, poderosas e autoritárias. Mulheres que podem ser fiéis e de lealdade absoluta em certas circunstâncias, mas que, em outros momentos, quando contrariadas em seus projetos e empreendimentos, deixam-se levar a manifestações da mais extrema cólera".

Hoje eu queria homenageá-la e lembrei de um texto escrito pelo Caio, aquele que tanto amo. Ontem ele falou da Clarice. Hoje ele fala de Berré.

Este texto foi publicado no disco Simplesmente o melhor de Bethânia de 1988.

"De jeans e camiseta, cabelo preso, aos gritos de ‘pega, mata e come!’, Bethânia foi musa da esquerda, tempos do show Opinião. Graças ao acaso – se acaso existe e não, destino – que trouxe a menina Berré de Santo Amaro da Purificação, Bahia, para os palcos do centro do país. Peruca canecalon, coberta de colares e pulseiras, gestos largos, recitando Fernando Pessoa e Clarice Lispector - Bethânia foi musa. A voz muito grave, sussurrando versos sensuais, embalou os amores dos casais pelos motéis, rivalizando nas vendas de discos com o rei Roberto Carlos. Prendeu, soltou os cabelos, calçou, tirou os sapatos, largou as gravadoras comerciais, no auge do sucesso, trajetória inversa, tornou-se independente: conquistou o direito de gravar o que gosta, num repertório coerente e fiel à música brasileira.

Foram muitas Bethânias nesses mais de vinte anos. Ou era uma só? O escritor Júlio Cortázar, fã confesso (não fosse um iniciado em magia), afirmava que Bethânia e Caetano são uma única pessoa: Yin/Yang, homem/mulher, Oxóssi/Iansã. Foi muito ‘in’, ficou inteiramente ‘out’ – até ultrapassar as divisões maniqueístas dos manipuladores da opinião pública para ocupar esse lugar muito especial só reservado aos mitos. Bethânia, deusa guerreira, de espada em punho e voz rouca, inconfundível, procurando sempre versos que falem às emoções dos apaixonados. Gosta-se dela como se cai em estado de paixão: além de qualquer razão. E bela. Bela de um jeito que não é comum ser bela, cantora como não é comum ser cantora – nesse desregramento de padrões estéticos, Bethânia funde a aspereza de onde começa o Nordeste com o requinte dos blues de uma Billie Holiday. Cantora diurna das terras crestadas pelo sol, mas também noturna, dos lençóis de cetim úmidos de suor e amor, transita numa carreira de impecável coerência com sua própria criatura: dividida em mel e espada. Padroeira dos apaixonados, também divididos entre o mel e a espada cortante da vingança. Dessa extensa legião, Maria Bethânia é a voz mais fiel."

Caio F.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Pó de Clarice


Não me contive... tive que postar algo da Clarice.

Eis a sua resposta ao amigo Lúcio Cardoso, quando este disse não gostar do título do livro O lustre publicado em 1946.

"Me entristeceu um pouco você não gostar do título "O Lustre". Exatamente pelo que você não gostou, pela pobreza dele, é que eu gosto. Nunca consegui mesmo convencer você de que eu sou pobre... Infelizmente, quanto mais pobre, com mais enfeites me enfeito. No dia em que eu conseguir uma forma tão pobre como eu o sou por dentro, em vez de carta, você receberá uma caixinha cheia de pó de Clarice."

Deve ser assombroso chegar a esse nível de compreensão de si mesma. E dizê-lo...

Caio e Clarice...

Todos sabem da minha paixão declarada pela Clarice Lispector e pelo Caio Fernando Abreu. Me deu uma saudade deles. Saudade do cheiro e das formas de seus livros que enfeitavam "minha" estante e hoje estão guardados em uma caixa. Não aquela caixa bonita com um laçarote vermelho... e sim aquelas caixas onde se escondem coisas que não se quer mais ao alcance das vistas, o que não se quer ver a olho nu.

O engraçado é que tenho plena conviccção de eles nunca sairam ou sairão da estante. É que não falo daquela estante pregada ou encostada numa parede fria que os transforma em matéria bolorenta. Falo da estante viva que sou eu... que guardo dentro de mim as cores, formas, aromas e, principalmente, a essência de tudo que me é caro e marca profundamente.

Neste dia de saudade cinzenta, lembrei da Clarice e do Caio. Queria tocá-los através dos seus escritos...

Para abrir as comportas da saudade represada, não vou colocar o escrito de um ou do outro... farei melhor, colocarei o escrito de um sobre o outro. Este é o trecho de uma carta do Caio para seu amigo José Penido em que fala da Clarice.

"Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de “meio doida”. Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos, na maior solidão. Como Joyce. Como Kafka, louco e só lá em Praga. Como Van Gogh. Como Artaud. Ou Rimbaud."

Ele falava dela, mas tenho a impressão de que falava um pouco de si. Ao falar do destino dela, profetizava o seu também.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Dia de branco

Acredito que se perguntarmos a qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo, qual é o pior dia da semana, a maioria responderá que é a segunda-feira. A maldita segunda-feira... que tem a capacidade de tornar o cair da tarde de domingo deprimente.

Aqui não seria diferente. Mas, como tudo aqui é diferente... a segunda-feira tem mais uma peculiaridade: é o dia "menos pior" para se sair de carro. O pior dia para se arriscar no trânsito é a terça-feira, quando oficialmente se começa a semana em Luanda.

Eu fiz esta descoberta numa conversa despretensiosa a caminho de uma reunião, quando alguém mui sabiamente explicava porque estava particularmente complicado chegar ao nosso destino naquele dia. O que eu não imaginava é que aquela revelação me proporcionaria um dos momentos mais "hilários" que já vivi aqui. Para que vocês percebam bem a situação, terei que me estender um pouco... mas garanto que valerá a pena ler até o final. Vamos lá!

Aqui, nós identificamos e classificamos os motoristas particulares em duas categorias bem distintas: os ex-candongueiros (vide dicionário de angolês) e os principiantes. É impossível confundí-los... ou era, até conhecermos o Otávio!

Otávio é um motorista recém-contratado da empresa. É um negro forte, cheio de marra, de 1,90m de altura, que usa um ray-ban com armação de plástico branco e faz licenciatura em matemática numa faculdade daqui. Ele dirige de um jeito muito peculiar que provoca ira e risos nos demais passageiros. É meio sem-noção, mas uma alma boa. Como costumamos dizer por aí: o cara é uma figura!!!

Pois então... estávamos voltando do almoço um dia destes e Airi resolve tirar a dúvida atroz que nos consumia desde que ele conduziu pra nós a primeira vez. Perguntou-lhe então se ele havia sido candongueiro. Qual não foi nossa surpresa quando ele disse que sim. Então a conversa se desenrolou até ele nos contar qual era o "seu dia" na candonga. Era a terça-feira.

Quando ele disse que o "seu dia" era a terça-feira ela perguntou por quê, já que a maioria dos relatos demonstravam que os sábados eram os dias prediletos, os que mais rendiam. Foi aí que eu usei a minha descoberta fantástica: é porque terça-feira é o dia de maior movimento aqui. É a segundona dos outros lugares. É o dia em que as pessoas saem para trabalhar, depois do final-de-semana.

Então eu, com toda minha "sapiência", complementei:

- Essa é a origem da expressão "segunda-feira é dia de branco", muito usual no Brasil.

Ela nunca tinha ouvido isso, então foi necessário aprofundar a explicação:

- Segunda-feira é dia de branco porque é dia de trabalho, de quem trabalha. Preto é preguiçoso, portanto não trabalha dia de segunda.

Quando eu ironicamente disse isso, pra minha surpresa, Otávio me sai com essa:

- É isso mesmo!!! Preto é tudo preguiçoso, a gente não gosta de trabalhar não. A gente quer é ganhar a vida sem precisar trabalhar. A gente gosta é de ficar na preguiça... descansando. Chega o domingo a gente toma todas, vai uma cervejinha, uma caipirinha - como vocês falam no Brasil - e na segunda quase ninguém vai trabalhar. Tá todo mundo ressacado!

Eu e Airi nos olhamos e começamos a rir. Não paramos de rir e ele não parou de apresentar argumentos para defender a sua tese. Eu, espantada e rindo nervosamente, só dizia: "É mesmo seu Otávio?".

Ele falou mais um monte de absurdos que, infelizmente, não tenho como reproduzir fielmente. Nós ríamos, incrédulas.

A análise do episódio e todos os seus desdobramentos filosóficos, antropológicos e sociais eu vou deixar para outro dia. É muita emoção para um post só... e afinal, hoje é segunda-feira e eu sou preta, logo...

domingo, 25 de outubro de 2009

Saindo da gaveta

Escrevi este texto quando completei 3 meses aqui. Se tudo der certo... faltam exatos 30 dias para o meu retorno ao Brasil. Como não gosto de deixar nada guardado, compartilho tardiamente com vocês o escrito "antigo".

Hoje completo três meses em Angola. Para mim é uma grande vitória, tendo em vista todos os percalços que passei, as angústias, as dúvidas e a saudade que desde sempre me acompanha. Eu prometi que ia escrever sobre as minhas vivências aqui... e não cumpri com a promessa até então.

A partir de agora compartilharei. Tudo. Ou quase... Como já tenho um tempinho considerável por aqui, me sinto mais à vontade pra falar sobre o lugar, as coisas e, principalmente, as pessoas. Prefiro sempre as pessoas aos lugares e as coisas. Gente, para mim, é o céu e o inferno. Abriga em si o bem e o mal, e o expressa como nada mais pode fazer. Então falarei sobre meu tema predileto: as pessoas.

Viajei por 5 províncias, das 18 que Angola possui. Em cada uma delas me supreendi com as pessoas. Me encantei por elas. Me encantei pela beleza e simplicidade. Pelo olhar expressivo e pela dor disfarçada em sorriso. Pelo corpo firme e seguro, apesar do cansaço da luta diária. Pelas crianças que estão em todo lado que você lance o olhar. Elas sempre estão lá cheias de vida, com seus trapos sujos, suas faces cheias de curiosidade... e o ar de peraltice que nenhuma dureza da vida é capaz de roubar por completo. Apesar de tudo isso, a característica desse povo que mais me impressiona é a resiliência.

A resiliência é um conceito relativamente novo no Brasil e a inda se encontra em processo de construção teórica. Ele se originou na Física, mas hoje foi assumido pelas Ciências Humanas, principalmente a Psicologia, e é comumente usado para se referir processos humanos. Grosso modo, pode-se dizer que resiliência é o fenômeno de superação de situações adversas e estressoras.

Mas, voltando aos angolanos que cruzei... é impressionante como este parece um traço marcante. Haja situações estressoras e adversas pra este povo. E eles vivem... e sobrevivem. Não falam de suas vidas com amargura. Não falam no passado triste. Falam no presente difícil e no que esperam para um futuro próximo. Eu vou ao encontro deles para saber qual é a escola dos seus sonhos. Eles têm dificuldade em compreender o que isso quer dizer. É engraçado... porque pra nós é tão óbvio! Mas talvez eles não estejam habituados a sonhar, ou então, não estão acostumados a terem alguém querendo ouvir sobre eles. Eu prefiro crer na segunda opção.

Por tudo isso meu trabalho é uma delícia... eu adoro e não me imagino fazendo outra coisa. Adoro a itinerância e as pessoas... adoro conhecer e revelar.

A árvore do esquecimento

Pouco antes de embarcar para Angola, tive a imensa satisfação de assistir a um workshop com Mia Couto, festejado escritor moçambicano. O evento foi promovido pelo grupo de teatro que encenara sua obra O outro pé da sereia, e eu tive o privilégio de participar por conhecer o pessoal do grupo e ter "colaborado" com algumas discussões sobre o lugar do negro na sociedade brasileira.
À certa altura da discussão uma senhora pergunta ao Mia sobre a guerra e o processo de escravização que a população moçambicana sofreu. Ele responde a pergunta com simplicidade:

-Procuramos esquecer.

As pessoas parecem não ter ficado satisfeitas com a resposta e inicaram uma discussão. Ele, muito serenamente, explicou que cada sociedade tem um mecanismo para lidar com as suas "desventuras" e para sobreviver a elas e apesar delas. No pensamento africano, a estratégia é esquecer. Para mim, a explicação foi reveladora. Para a maioria dos presentes, me pareceu insatisfatória e até vulgar.

A revolta dos presentes é compreensível, na medida em que nós utilizamos o "lembrar" como estratégia de resistência. O Movimento Negro levanta essa bandeira, a máxima da ditadura argentina diz "não esquecer para que não volte a acontecer. Seguir para a frente sim, esquecer, jamais!" São modos de pensar diferentes e cada civilização adota aquele que mais lhe convém. Não há melhor nem pior. Nós aprendemos que é bom lembrar... a experiência deles diz que é melhor esquecer.

Na África existe o mito, não sei se seria correto dizê-lo assim, da arvóre do esquecimento. Trata-se de um exemplar de baobá ou embondeiro, com são conhecidas aqui em Angola. A história diz que é possível se realizar um ritual de esquecimento, que consiste em dar voltas em torno desta árvore. O ritual permite que os indivíduos esqueçam seu passado. Dizem que os negros capturados aqui para serem escravizados o realizavam antes de embarcarem nos navios em direção à América. Dessa maneira, eles poderiam esquecer suas raízes e tudo se tornaria recente, sem amarras.

O Mia tem argumentos contundentes para defender a tese do esquecimento:

"Só há um modo de enfrentar as más lembranças: é mudar radicalmente de viver, decepar raízes e fazer as pontes desabarem."

"Eis a nossa sina: esquecer para ter passado, mentir para ter destino."

"Quem não tem passado não pode ser responsabilizado. O que se perde em amnésia, ganha-se em amnistia."

Acho que o tema daria uma belíssima tese e deliciosas discussões em mesa de bar ou na casa de amigos. Acho que um bom começo seria ler O outro pé da sereia e assistir ao filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças, que eu particularmente adoro, e devanear a noite inteira entre risos e aprendizagens.

Essa seria uma noite para lembrar...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Sobre ternura e beleza

Comecei o dia com uma historinha macabra e a encerro docemente com um soneto do Neruda. Explico porque... tomando emprestadas as palavras do Caio Fernando Abreu.

"Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim, que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo; repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada."

SONETO XVII

No te amo como si fueras rosa de sal, topacio
o flecha de claveles que propagan el fuego:
te amo como se aman ciertas cosas oscuras,
secretamente, entre la sombra y el alma.

Te amo como la planta que no florece y lleva
dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores,
y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo
el apretado aroma que ascendió de la tierra.

Te amo sin saber cómo, ni cuándo, ni de dónde,
te amo directamente sin problemas ni orgullo:
así te amo porque no sé amar de otra manera,
sino así de este modo en que no soy ni eres,
tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía,
tan cerca que se cierran tus ojos con mi sueño.

Pablo Neruda

Historinha macabra

Um passarinho verde me contou a seguinte história que se passou por aqui há pouco tempo.
Uma grande empreiteira brasileira construiu um condomínio de casas, e uma delas foi ocupada por angolanos que nela trabalhavam. Como é natural acontecer, a empresa estava a vender todas as unidades do condomínio e precisava reaver a unidade ocupada. Esta difícil tarefa coube a um novo gerente recém-chegado do Brasil.
O incauto gerente exigiu a saída imediata dos "moradores" da casa e foi solenemente ignorado. Continuou a insistir, sem compreender a "impertinência" dos funcionários.
Certo dia ele recebe uma ligação em seu celular. Era um general angolano, que lhe disse o seguinte:
- Que você vai embora pro Brasil imediatamente, já é certo. O que eu preciso saber, é se você quer ir sentado ou deitado.
O gerente foi embora de fato, mas não pro Brasil. A empresa o mandou pro Chile por medida de segurança. Os "moradores" continuaram em "sua casa"... e todos foram felizes para sempre.

Como diria uma colega: This is Angola, pá!

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Frase do dia

"Só duas coisas são infinitas: o Universo e a estupidez humana... e não tenho a certeza quanto ao Universo."

Albert Einstein

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Narciso e Narciso

Se Narciso se encontra com Narciso
e um deles finge
que ao outro admira
(para sentir-se admirado),
o outro
pela mesma razão finge também
e ambos acreditam na mentira.

Para Narciso
o olhar do outro, a voz
do outro, o corpo
é sempre o espelho
em que ele a própria imagem mira.
E se o outro é
como ele
outro Narciso,
é espelho contra espelho:
o olhar que mira
reflete o que o admira
num jogo multiplicado em que a mentirade Narciso a Narciso
inventa o paraíso.
E se amam mentindo
no fingimento que é necessidade
e assim
mais verdadeiro que a verdade

Mas exige, o amor fingido,
ser sinceroo amor que como ele
é fingimento.
E fingem mais
os dois com o mesmo esmero
com mais e mais cuidado
- e a mentira se torna desespero.
Assim amam-se agora
se odiando.

O espelho
embaciado,
já Narciso em Narciso não se mira:
se torturam
se ferem
não se largam
que o inferno de Narciso
é ver que o admiravam de mentira.

Ferreira Gullar

domingo, 18 de outubro de 2009

As portas do Paraíso...

Dizem que os antigos egípcios acreditavam que quando alguém morria, ao chegar às portas do paraíso era recebido por um guardião que decidia sua entrada a partir da resposta a duas perguntas:
- Encontrou a felicidade em vida?
- Sua existência trouxe felicidade aos outros?
É aparentemente simples respondê-las... porque afinal, é difícil viver sem encontrar a felicidade em algum momento e sem proporcionar felicidade a alguém, por mais efêmera que ela tenha sido. Mas sei que isso é muito relativo... e o conceito de felicidade, bastante volátil.
Tentei responder a estas perguntas. A primeira foi fácil.
- Sim, encontrei e felicidade em vida. Muitas vezes, inclusive.
A segunda... estou até agora a me perguntar. É difícil responder a isso. Mas uma coisa é certa... para respondê-la precisamos ponderar se nossa existência trouxe mais felicidade ou tristeza aos outros. Porque felicidade a gente sempre proporciona... vezenquando.
Precisamos refletir é se fizemos mais bem do que mal... eis a questão.
E que as portas do paraíso se abram... nem que seja as da estação do metrô, por enquanto.

sábado, 17 de outubro de 2009

Choque de Realidade IV

Quando cheguei em Angola, uma coisa me chamou a atenção: os cabelos das mulheres. Baseada no termo que usamos no Brasil, "cabelo afro", imaginei que aqui fosse encontrar as mulheres com suas belas cabeleiras eriçadas, seus penteados de tranças e coisas assim. Ledo engano!

Fiquei supresa quando vi que a maioria esmagadora delas usa cabelos lisos. Pior, usam perucas!!!E quando não estão com os cabelos "arrumados" colocam turbantes ou lenços na cabeça, com exceção das mais velhas, que ainda preservam algumas tradições. É verdade que algumas optam pelos apliques, em alguns casos até cacheados. Mas nunca não seus cabelos de verdade. Somente nas crianças, ainda que a contragosto delas, é possível ver os cabelos naturais. Isso é muito assustador, até porque aqui não existem muitas brancas com suas cabeleiras lisas para elas se espelharem. Mas existem as benditas novelas... a bendita tv, que dita o que é bonito ou feio.

Outro dia eu estava na porta de um hotel e a camareira veio falar comigo. Ela me disse:

- Que bonito seu cabelo. É seu mesmo? Perguntou, tocando-o incrédula.

- Sim, é meu sim. Por quê?

- Porque parece "cabelo brasileiro".

- Mas é cabelo brasileiro, disse rindo. Eu sou brasileira. Lá a gente chama cabelos como meus de afro. Engraçado que aqui vocês preferem os cabelos lisos e dificilmente usam os seus próprios cabelos. Por quê?

- Porque é bonito e tá na moda.

A resposta dela foi ligeira e simples. Pode até ser verdade, mas eu acho que o buraco é mais embaixo. A análise desse buraco eu deixo para os antropólogos, que o fazem muito bem.

Lembrei de quando eu tinha meus cabelos "lisos" e da mudança que se processou em minha vida quando resolvi assumí-los crespos. Tive vontade de fazer um discurso, mas me contive.

Fiquei sabendo que no Brasil a moda agora são os cabelos crespos, fenômeno impulsionado pela personagem de Taís Araújo na novela das oito. Mais uma vez a novela dita a moda e esta, por sua vez, dita o comportamento das pessoas. Certamente enquanto a novela estiver no ar todos acharão os crespos bonitos. Quando a novela acabar, Deus é quem sabe o que acontecerá com eles. Eu aposto numa corrida aos salões para tentar voltar "ao estado natural". Gostaria de ser otimista e acreditar que os cabelos crespos passarão a ser um marcador identitário importante para as mulhes negras. Mas acho difícil. Somos escravos da moda e é difícil remar contra a maré.

Voltando ao choque de realidade... desfiz um monte de ilusões sobre a África desde que cheguei aqui. Essa era uma delas. Achei que ia vivenciar a negritude em seu "estado puro", mesmo sem saber direito o que isso queria dizer. Talvez eu ainda descubra... talvez nunca venha a saber.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Choque de Realidade III

Numa conversa com cerca de dez crianças no município de Lubango, Província da Huíla, travamos o seguinte diálogo com crianças que caminham de 5 a 10 km todos os dias para chegarem à escola:
- Vocês gostam quando o professor falta? Eles responderam em uníssono:
- Não!
- Vocês preferem vir pra escola ou ficar em casa, brincar na rua?
- Vir pra escola.
- Vocês preferem ir pra lavra ou vir pra escola?
- Vir pra escola.
E a pegunta fatal:
- Vocês preferem ir pra lavra ou ficar em casa, brincar? Em uníssono de novo respondem:
- Ir pra lavra!
Estupefata com a resposta pergunto:
- Mas por que vocês preferem ir na lavra do que ficar em casa brincando?
Um menino de 14 anos me responde com serenidade e altivez:
- PORQUE É DE ONDE SAI NOSSA COMIDA!
Fiquei muda diante da resposta dele. Naquele momento eu recebia de um menino de 14 anos uma valiosa lição sobre a vida. Olhei para ele e sorri agradecida.
Engraçado é que ele tem nome, mas não tem identidade. Não existe legalmente, assim como tantas outras crianças angolanas. O que ele não sabe ainda, é que identidade a gente cria... e tece a cada manhã. Ele tem identidade... e naquele dia ajudou a tecer a minha.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Dia do professor

Engraçado ter relatado a história do menino bonito hoje, que no Brasil é o dia do professor. Nem me dei conta disso.
Mas certamente não foi uma coincidência... nunca é!
Fica o relato, para que meus colegas possam refletir sobre a profissão.
Sem palavras.

Choque de Realidade II

No segundo dia de trabalho nas escolas, município de Viana, Província de Luanda, vivi uma das muitas situações marcantes da minha passagem por aqui.
Fui para o pátio da escola identificar crianças falantes... que pudessem contribuir voluntarimente com o nosso trabalho, sem reservas. Eu tenho um bom feeling pra isso, portanto logo encontrei um menino lindo... com um rosto bastante expressivo emuito falante. Ele era delegado de turma, aqueles responsáveis pela classe quando o professor se ausenta. Fala com com autoridade aos demais. Era firme e duro com os colegas. Havia aprendido bem a "lição".
Conversamos um pouco, então convidei-o a participar da atividade. Ele prontamente aceitou. Pedi que me ajudasse a escolher outros que ele julgava que poderiam contribuir e assim o fez. Trouxe uma menina linda, com olhos negros grandes e um sorriso típico de criança levada.
Quando a conversa começou, logo vi que me surpreenderia com aquelas crianças. Elas falavam tranquilamente sobre o que achavam da escola e as situações que vivenciavam cotidianamente.
O que aquelas crianças relataram foi estarrecedor. As cenas eram de um verdadeiro "circo dos horrores". Literalmente. Sessões de tortura. Agressões físicas e emocionais. Humilhações de toda natureza. Quanto mais elas falavam, mais eu silenciava.
À certa altura, o menino bonito faz o seguinte relato emocionado:
- O professor não gosta de mim. Eu não sei porquê. Outro dia ele me encontrou no corredor, deu um soco no meu peito e disse: - Quem você pensa que é?! Você não é nada! Você não presta pra nada! Eu não disse nada a ele... não sei porque ele faz isso comigo.
Meus olhos encheram de lágrimas. Era evidente as marcas que o episódio deixou naquela criança de olhar e presença marcante.
Perguntamos se ele não havia contado as coisas que sofria na escola para sua mãe, e a resposta dele nos deixou sem voz de novo.
- Não conto mais, porque já tentei falar e ela não acredita em mim. Disse que se eu apanho é porque devo ter feito algo pra merecer.
Ele disse isso e baixou o olhar, envergonhado e triste.
Nós silenciamos. Nó na garganta. Lágrimas nos olhos. Aperto no coração. O ar faltou na sala.
Ficamos a nos olhar sem dizer uma palavra sequer, como quem pergunta "o que faremos agora?". Mudamos o "rumo da prosa". Pedimos que desenhassem a escola dos seus sonhos.
Fiquei a me perguntar, com meu jeito torto de ver as coisas: que sonhos? Eles nem entendiam o termo... Tivemos que traduzí-lo.
Mas eles têm sonhos sim. Eles têm esperança... e é lindo ter esperança. Seguir com fé, mesmo quando "o mundo diz não"!
Resiliência é a palavra. Isso eles têm de sobra... muito de nós não.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Frase do Dia

"E assim, aos poucos, ela se esquece dos socos, pontapés, golpes baixos que a vida lhe deu, lhe dará. A moça - que não era Capitu, mas também tem olhos de ressaca - levanta e segue em frente. Não por ser forte, e sim pelo contrário... por saber que é fraca o bastante para não conseguir ter ódio no seu coração, na sua alma, na sua essência. E ama, sabendo que vai chorar muitas vezes ainda. Afinal, foi chorando que ela, você e todos os outros, vieram ao mundo."

Caio F.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Choque de realidade I

Uma das experiências mais chocantes que vivi aqui em Angola ocorreu em uma pequena comunidade no muncípio de Ondjiva, Província do Kunene.
Estávamos a entrevistar um grupo de pais, na verdade mães, sobre a situação da escola e seus sonhos. Eram quatro, sendo que uma delas não falava português e o nosso diálogo era traduzido por uma outra participante.
A certa altura, um senhor com uniforme de polícia invade a sala e começa a esbravejar. Nós, sem entendermos muito bem o que estava se passando, nos apresentamos e tentamos explicar o que fazíamos ali. Ele não quis nos dar muita atenção e só gesticulava e balbuciava coisas ininteligíveis.
Quando conseguimos chamar sua atenção, ele se voltou para nós e, apontando duas mulheres que estavam na sala, dizia apenas que elas eram "suas" e que teriam que ir para casa fazer sua comida. Dissemos que aquele momento era importante, que elas foram convidadas pelo diretor da escola e não tardariam a retornar às suas casas. Ele passava a mão na barriga e repetia que elas "eram dele" e que tinham que fazer sua comida. Pedimos mais um tempo e ele parecia ter se conformado, mas ressaltava a necessida delas voltarem a tempo de preparar seu almoço.
Quando achávamos que a situação estava resolvida, ele se dirige à primeira das mulheres e começa a lhe dar tapas nos braços, parecendo incialmente brincar com ela. Mas os tapas foram ficando mais fortes e se via que ele não estava a brincar... a mulher não esboçava qualquer reação. Nós pediamos que, por favor, ele se retirasse. Éramos ignoradas, afinal de contas éramos mulheres também. Quando se sentiu satisfeito de estapear a primeira ele foi até a outra, lhe desferiu um forte tapa no rosto e saiu. Ela não reagiu... apenas ria constrangida e dizia que já ia para casa.
Aquele tapa doeu em mim. Minha face ruborizou e ferveu instantaneamente. Ficamos ali, a olhar aquele homem e aquelas mulheres sem acreditar no que estávamos presenciando. Elas pareceram envergonhadas, mas mantiveram a altivez. Nós desabamos.
Daquele momento em diante não sabíamos mais o que fazer. Deu vontade de chorar, deu vontade de gritar, de avançar no pescoço daquele homem idoso e franzino. Não seria covardia! Ficamos ali por alguns segundos, sem nenhuma reação... de frente para aquelas mulheres. Elas nos olhavam com delicadeza, como que pedindo para que fingíssemos que nada havia acontecido. Perguntamos se queriam ir para casa, insistimos para que fossem. Elas não quiseram. Foram até o fim no que haviam se comprometido a fazer. Seguiram adiante... falaram da escola dos seus sonhos para os filhos. Foram até o fim.
Nós ficamos lá... perdidas, em silêncio, incrédulas, humilhadas. Nos vestimos com a dor daquelas mulheres. Elas seguiram para suas casas, foram cumprir seus afazeres domésticos. Se despediram de nós sorrindo. Nós ficamos ali, com as faces em brasa e alma no chão.

domingo, 11 de outubro de 2009

Dicionário de angolês

Lembrando do dicionário de baianês, resolvi fazer um dicionário de "angolês" com o pouco que aprendi até hoje.

Expatriado: estrangeiro
Chui: policial
Bixa: fila
Rabo: bunda
Meter: colocar, botar, pôr, enfiar. (Eles usam meter pra tudo, ele só metem!!! rsrsrs...)
Grosso: gordo
Perceber: entender
Coiso: pode ser qualquer coisa (rsrsrs)
Fazer malandro: transar
Boléia: carona
Cueca: calcinha
Autocarro: ônibus
Candonga: vans que fazem o transporte da maioria da população cobrando o preço que querem e fazendo o roteiro que lhes apetece.
Táxi: Candonga
Ambulante: zungueira
Zungar: vender na rua
Carrinha: caminhonete
Viatura: carro
Cu: bunda
Injeção: pica (atentem que se você for tomar uma injeção na bunda dirão: O Médico vai te meter uma pica no cu. E é verdade!!! rsrsrs...)
Castanho: bege, cinza e marrom (rsrsrs)
Bina: bicicleta
Tarrachar: dançar tarrachinha (uma dança bastante lasciva que por tem aqui)
Tarrachinha: dança que simula um ato sexual e que ninguém se incomoda se alguém puxar seu namorado (a) para dançar, mesmo em lugares públicos.
Melindre: dança típica muito bonita e difícil de dançar.
Paiado: complicado, encrencado
Fixe: bom, legal
Bué: muito
Tchilar: divertir
Borla: de graça, a vontade, 0800
Maca: problema
Incomodado: doente
Giro: bonito
Mboa: mulher boa
Puto: jovem, rapaz
Canuco: rapaz
Catabore: favela
Bazar: vazar, ir embora
Troço: trecho, estrada
Musseque: favela
Gatuno: ladrão (ou Nando!!! hahahaha)
Gasosa: refrigerante
Gasosa: propina, suborno (muito comum por aqui)
Fino: chopp
Pinar: mergulhar
Contentore: container
Gindungo: pimenta
Ginguba: amendoim
Fungi: comida estranha, com consistência pegajosa, aparência bizarra e cor indefinida (rsrsrs)
Matabichar: tomar café da manhã
Matabicho: café da manhã
Pequeno-almoço: café da manhã
Ainda: não, utilizado para coisas que estão em processo mas não foram concluídas.
Telemovél: celular
Terminal: número de telefone
Saldo: créditos de celular
Bife de picanha: "sola de sapato" (hahahahahahaha... essa é brincadeira e foi criação da Branca!!!)
Muamba de galinha: galinha cozida com amendoim (é uma delícia)
Calulu: comida muito esquisita que mistura folhas de mandioca com o que você quiser: peixe, frango, carne seca...
Kizomba: música e dança que se assemelha ao arrocha da Bahia, só que bem mais sutil.
Semba: estilo musical e dança que alguns afirmam ter dado origem ao samba do Brasil.
Kuduro: dança improvisada que faz as pessoas parecerem marionetes, contorcionismo.
Kwanza: moeda local, cujo valor corresponde a um centavo de dólar.
Estar de óbito: quando qualquer parente ou conhecido morre e você desaparece do trabalho pelo menos uma semana sem dar justificativa.
Abandono de serviço: coisa bastante comum por aqui e significa que você arrumou outro emprego, se mudou, se mandou ou desistiu de trabalhar mas esqueceu ou não teve tempo de pedir demissão.
Mas esse é o seu nome mesmo?: pergunta fundamental de ser feita quando alguém diz o seu nome e você quer ter certeza de que vai elaborar um documento endereçado a pessoa certa. (Essa necessita de uma explicação mais aprofundada, mas vou dar um exemplo que aconteceu comigo. Um rapaz chegou pra mim e se apresentou dizendo: - Oi, meu nome é Patrick Luís, mas pode me chamar de Adilson! hahahahahaha... depois faço um post dedicado a explicar esse fenômeno)
Educar: bater
Ensinar: bater, humilhar, praticar tortura
Crianças: "coisas que brotam feito mato"
Realizar obra públicas: fonte de complementação salarial para os que estão no poder e de dinheiro fácil para os estrangeiros espertalhões (qualquer semelhança com o Brasil, não deve ser mera coincidência).
Assalto: é a sensação que você tem quando pergunta o preço da maioria das coisas por aqui!!
Yah: sim e também pode ser considerado como ponto final de qualquer frase que eles dizem.

Por enquanto é isso. Se eu lembrar de mais alguma coisa vou postando aqui, yah!

sábado, 10 de outubro de 2009

A frase do dia

É MELHOR SER ROUBADO DO QUE SER O LADRÃO!!! O MELHOR É OLHAR PRA MERDA E VER QUE SAÍMOS SEM FAZER SUJEIRA...

Isso me foi dito por um amigo de longa data, pelo qual tenho profunda admiração. A coisa que mais me admira nele é o caráter. Certamente ele deve ter aprendido isso com o pai, grande homem com o qual tive o privilégio de conviver durante um tempo.

Esta frase sintetiza os nossos valores: dignidade, sempre! Agir com dignidade é o que os nossos pais nos ensinaram, com toda a simplicidade de quem "não alisou o banco da ciência". É a nossa maior herança, que dinheiro nenhum compra. "Pra todas as outras existe Mastercard"!

Rei Midas

Em minhas leituras noturnas, acabei por me deparar com um texto que contava a história do Rei Midas. Já conhecia por alto a história do rei que tranformava em ouro tudo que tocava, mas até então nunca havia lido com atenção sua história. O termo "toque de Midas" é muito usual em nossa cultura e refere-se às pessoas que obtêm êxito em tudo aquilo em que se envolvem. Bem como, o anti-Midas é aquele que tem a "capacidade" de fazer dar errado tudo aquilo em que "se mete", o famoso "dedo podre". Depois de ler o mito, acredito que esta diferenciação seja relativamente equivocada, mas como já fora consolidada pelo uso, ainda nos servirá para diferenciar os que "constróem" dos que "destróem".
O resumo da ópera é o seguinte:
O Rei Midas era poderosíssimo, extremamente rico... e tinha um defeito: era um néscio! Esta estupidez, juntamente com a ganância que lhe era peculiar, lhe custaram muito caro.
Seus problemas tiveram início quando hospedou o sátiso Sileno, fiel e inseparável amigo de Dionísio, o deus do vinho e do prazer. Durante uma festa, Sileno embriagou-se, afastou-se dos companheiros e foi parar no jardim do Rei Midas. Então, o Senhor da Frígia o reteve durante dez dias em sua rica morada, tratando-o com todo o respeito e deferência. Passado este período, o Rei entregou o sátiro a Dionísio, que, para recompensá-lo da hospitabilidade dada ao seu amigo, disse-lhe que lhe concederia um único desejo. Neste momento Midas mostrou o que para ele realmente tinha valor no mundo: a riqueza, que por sinal ele já tinha. Numa atitude impensada, pediu a Dionísio o poder de transformar em ouro tudo que tocasse.
Dionísio não preveniu o arrogante monarca para que refletisse bem antes de pedir algo daquela natureza e, provavelmente porque gostava de brincar, não se recusou em atender ao pedido do seu anfitrião. A partir daquele momento, tudo que Midas tocasse com a mão se transformaria em ouro.
A princípio, uma enorme alegria invadiu o coração do poderoso senhor da Frígia, que pensava que se tornaria o rei mais rico de toda a terra, e isso era realmente possível. O que ele não imaginava eram os problemas que iria ter a partir de então pois, todo alimento que tocasse logo se tranformaria em ouro maçiço, impossibilianto sua ingestão. Quando tocasse em qualquer pessoa, esta imediatamente se tranformaria em uma estátua de ouro, como aconteceu à sua filha. Assim, poderia ter todo o ouro do mundo, mas jamais poderia comer ou tocar aqueles que amava.
Quando deu por si, o rei percebeu o grande desastre que foi a sua escolha e as consequências nefastas dela advinda. Pediu a Dionísio que revertesse a situação e prontamente foi atendido.
Ficou a lição sobre o que realmente importa na vida. Ele descobriu da pior maneira possível que temos que ter cuidado com as nossas escolhas. Que não vale a pena trocar uma alegria fugaz por algo que possa ser perene. Que devemos pensar bem no que de fato tem valor pra nós, no que realmente importa.
Eu a cada dia mais penso no que realmente importa para mim. Distante "dos meus", pelo menos físicamente, tenho tido a chance de pensar muito no quanto eles são importantes. Aqui, de longe, tenho tido a oportunidade de reafirmar o quanto aqueles que amo são as únicas coisas que me importam... Que preservar o amor e a mizade dos que me querem bem é a única tarefa da qual eu não posso me furtar por um segundo sequer dos meus dias. Que cuidado, carinho e respeito são o mínimo que posso oferecê-los.
Não quero ser uma Midas, que desconhece o real valor das coisas e "mata" o que me alimenta e afaga. Quero sim ser uma Midas, se isso significar tranformar em beleza e doçura tudo que me cerca... se significar tornar melhor os meus dias e os de quem o cruzar.
Pra terminar, posto um trecho de "A balada do Cárcere de Reading", do Oscar Wilde. Creio que explica muito bem o Midas e o anti-Midas que habita todos nós. Ele escreveu este célebre texto quando estava preso em Reading, acusado de "práticas homossexuais". Wilde chamava isso de "amor que não ousa dizer o nome". Sua prisão ocorreu em consequência de uma denúncia feita pelo pai de Lord Douglas, o Bosie, um rapaz por quem Wilde se apaixonara, e que arruinou a sua vida.
"[...] O homem matara a coisa amada, e ora devia
Com a morte pagar.

Apesar disso - escutem bem - todos os homens
Matam a coisa amada;
Com galanteio alguns o fazem, enquanto outros
Com face amargurada;
Os covardes o fazem com um beijo,
Os bravos, com a espada!
Um assassina o seu amor na juventude,
Outro, quando ancião;
Com as mãos da Luxúria este estrangula, aquele
Empresta do Ouro a mão;
Os mais gentis usam a faca, porque frios
Os mortos logo estão.

Este ama pouco tempo, aquele ama demais;
Há comprar, e há vender;
Uns fazem o ato em pranto, enquanto que um suspiro
Outros não dão sequer.
Todo homem mata a coisa amada!
- Nem por isso
Todo homem vai morrer.
[...]"

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Uma coisa é imaginar...

Outra é ter certeza!!!
E quanta diferença faz. O benefício da dúvida, muitas vezes é um benefício de fato. Eu sou meio masoquista e prefiro sempre a certeza. Por mais que ela me devaste e dilacere por dentro. Preciso disso pra poder virar a página, seguir em frente. Gosto de ter certeza das coisas, por mais que isso doa. E vou atrás dela... e sempre acho. Quando acho, por um momento chego a pensar que seria seria melhor ficar na ignorância, mas ignorância não é bom pra ninguém. Além disso... a certeza acaba me aguçando a imaginação. Certeza e imaginação deixam de ser dois pólos opostos e passam a fazer parte de uma coisa só.
Depois do baque inicial, do soco no estômago e da mente embotada por alguns intermináveis minutos... volto ao meu corpo e a lucidez das coisas me cega. É uma cegueira branca como a relatada por Saramgo. Nesta hora, cegueira e silêncio são tudo que possuo. É tudo que me resta.
Eu, o mundo, a cegueira e o silêncio que grita dentro de mim... e imagina!

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Tudo pode acontecer.

Pois é... esta célebre frase traduz o que senti quando vi a chuva de granizo hoje no município do Andulo. Nunca imaginei que fosse presenciar uma chuva de granizo na África!!! Não sei porque, mas pra mim isso era praticamente impossível. Não entendo de fenômenos metereológicos, mas de fato não imaginava.
Quando penso sobre o fato, o que me vem a cabeça é a coisa, não "o coiso", da capacidade da gente se surpreender. Tem gente que adora dizer: Nada mais me surpreende. Eu adoro dizer... Fiquei supresa!
É evidente que nem toda surpresa é boa, mas a capacidade de se surpreender é fundamental pra que nos relacionemos com o mundo de maneira dinâmica. Eu fico feliz quando a vida me pega distraída e me diz que eu sei bem menos do que supunha, sobre o mundo e as pessoas. Eu fico feliz quando meu queixo cai e os olhos enchem de lágrimas quando eu ouço uma criança daqui dizer que prefere trabalhar na lavra do que brincar, porque é de lá que sai seu sustento. Meu peito explode de alegria quando vejo sorrir com todos os dentes uma pessoa que só tinha motivos pra chorar, pelo menos de acordo com meus valores tortos.
A única surpresa que me desagrada é aquela que vem quando a gente idealiza alguém ou algo e depois descobre que não é nada daquilo que imaginávamos. É quando a gente acha que as pessoas são melhores do que realmente são. É quando olho para trás e vejo que tem gente e coisas que não valem a pena. Nestas ocasiões, olho pra frente, sorrio e uma alegria fugaz vem morar dentro de mim ao lembrar que tudo pode acontecer e o amanhã é uma caixinha de surpresas. De repente uma canção do Chico na voz da Bethânia, um escrito do Caio ou da Clarice, uma risada do Carlos, um sorriso de Rudá, uma cervejinha do boteco cercada dos que amo, um pôr-do-sol ou um abraço amigo me dizem que a vida ainda pode ser feita de doçura e contetamento...

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O coiso

Não se assutem... não se trata de uma reedição do famoso quadro da antiga TV Pirata. "O coiso" é única e simplesmente uma "entidade" que me intriga aqui em Angola. Todos falam dele, e só os angolanos é que sabem o que é. Nós, os expatriados (estrangeiros), ficamos na mais profunda ignorância sobre o assunto. Eu me limito a rir toda vez que ouço: primeiro porque acho engraçado e, segundo, porque sei que dali pra frente não entenderei mais a conversa.
Logo que ouvi eles se referirem ao bendito "coiso", achei que seria como o nosso "negócio", que utilizamos quando esquecemos o nome de algo ou alguém e normalmente vem acompanhado da pergunta "que negócio?", para que então possamos explicar. Mas "o coiso" não é assim. Não saberia explicar a sua dinâmica, por isso reproduzo aqui um diálogo de angolanos (hipotético, mas nem tanto) para que vocês percebam meu desespero:
- Como anda a construção lá em Matala?
- Ah... o coiso ficou de meter o coiso lá, mas até hoje não resolveu.
- Mas o coiso não ficou de acertar?
- É, mas o coiso tá emperrado.
- Ah... percebo.
Ele entendeu, mas eu não!!!! O pior de tudo é que em nenhum momento ninguém perguntou "que coiso?", a conversa seguiu normalmente. Eles se entenderam e nós ficamos a "boiare", como eles falam aqui.
É coisa, viu??!!!

Paixão

Tenho ouvido muita música gaúcha ultimamente por causa da Branca... que trouxe um ipod recheado delas. Umas eu não conhecia e outras estou adorando relembrar, como Engenheiros do Hawaii, já mencionado anteirormente.
Numa destas de lembrar, hoje, voltando do município de Kamacupa aqui no Bié, ouvi Kleiton e Kledir!!! Uma canção antiga deles que eu adoro e que dá título ao post. A letra é ótima... mas um trecho em especial me fez sorrir de contentamento por lembrar de mim e de duas figuras que amo demais. Parceiros de vida, encantos e desencantos. Eis os versos da canção:
"... depois do terceiro ou quarto copo,
tudo que vier eu topo,
tudo que vier, vem bem
quando bebo perco o juízo
não me responsabilizo, nem por mim,
nem por ninguém..."

Quem me conhece deve saber de "quens" estou a falar. Quem adivinhar ganha um celular!!! rsrs...

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Outra pra rir

Todos que me conhecem sabem que sou cheia de trejeitos, maneirismos de fala, e jargões. Tenho um jeito muito particular de dizer as coisas, principalmente as engraçadas: mexo a cabeça de um lado pro outro, levanto os ombros e entono a voz de maneira bem característica, jogo a cabeça para trás e faço aquela cara de maluca.
Quando conheço gente nova, procuro evitar estes trejeitos. Mas aos poucos, à medida que vou criando "intimidade", eles vão aflorando. Quando dou por mim, estou a chamar as pessoas de "fio" e "herodes"!! rsrsrs... A verdade é que são muitos os termos: fííío, ô gente, bunito(a), herodes, doidja(o), "como dizia minha avó", e a mais nova era minthura, que foi criado por meu amigo Carlos em homenagem a nosso amado-amigo Hélcio.
Inevitavelmente, as pessoas que convivem comigo acabam adotando um ou outro termo, pelo menos para falar comigo. E foi o que aconteceu aqui. As pessoas me chamam de fííía, chamam os outros de herodes e reconhecem uma "minthura" quando ouvem!!!
Ontem estavamos eu e a "Branca" em uma entrevista com a gestora de uma escola. Eu estava só acompanhando e ajudando quando era necessário. À certa altura ela fez uma pergunta que a diretora, mesmo com certa dificuldade, prontamente respondeu. Qual não foi minha surpresa quando ela olha pra mim de soslaio e sussurra:
- Minthura!!!!
Eu tive uma crise de riso interno. Literalmente vi minha alma sair do corpo e se jogar no chão rindo, como costumo fazer com Carlos Eduardo!!!! Eu desviei o olhar e continuei fazendo cara de paisagem "pra não ficar feio"!!! hahahahahaha...
Ô gente... meus amigos me acabam!!!!

O Nando...

Em uma das muitas entrevistas que venho realizando com crianças aqui em Angola, uma situação em especial me fez rir, diante de tantos relatos tristes. Toda vez que lembro, não contenho o riso. Compartilhei a história com minhas colegas e vira e mexe nos vemos a recorrer à célebre frase do menino de 11 anos.
Segue o diálogo com um grupo de cerca de 40 crianças em uma escola na Provícia do Moxico (que são como os estados no Brasil):
- Vocês acham que vão conseguir fazer o ensino secundário?
- Não sei, por que a escola é na cidade, é longe e a gente não tem dinheiro pra pegar o táxi (que são vans que fazem o "transporte público" por aqui). Se a gente for andando é perigoso, porque aqui tem muito "gatuno" que tomam nossas coisas.
- Ah... aqui tem muito gatuno?! E na escola tem gatuno? (Já rindo)
- Não, aqui não.
Então um menininho com uma cara engraçada, olha para o colega e diz:
- Aqui tem gatuno sim!!
Os outros retrucam, dão um tapa na cabeça dele, mas ele não se deu por vencido. Sussurrando e acenando a cabeça em sinal positivo sentencia, com aquele olhar de criança que faz uma grande revelação:
- O Nando é gatuno!
Eu não me contive... soltei uma gargalhada!!! E toda vez que lembro da cara dele dizendo que "o Nando é gatuno" eu rio sozinha.
O que não tem graça é saber que o que mais tem aqui em Angola são os Nandos. Pra todos os gostos e bolsos.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Coincidência

Ou não... o fato é que enquanto eu escrevia o post anterior estava a ouvir Engenheiros do Hawaii.
Pra mim tem sido uma daquelas doces reminiscências da vida adolescente e que reencontrei aqui. Eu sempre tenho um pé no passado, quando não o corpo inteiro.
Mas voltando à coincidência... quando acabei de postar começou a tocar a canção "Piano Bar", cujos primeiros versos são:
"O que você me pede eu não posso fazer.
Assim você me perde e eu perco você.
Como um barco perde o rumo.
Como uma árvore no outono perde a cor.
O que você não pode eu não vou te pedir.
O que você não quer, eu não quero insistir.
Diga a verdade, doa a quem doer..."
Pois é... eu não costumo acreditar em coincidências.

Merda!!!

Fiz um post bem legal, mas como ainda sou novata nesse negócio, acabei perdendo tudo que escrevi.
Odeio a sensação de perda!!! Perder é uma grande merda!!!!
Ultimamente eu tenho perdido muito... não quero me acostumar. Não posso me acostumar!
Hoje não quero ser filosófica ou reflexiva dizendo que perder é importante, que nem sempre se pode ganhar, que faz parte e blábláblá. Ultimamente eu tenho desejado somente ganhar... mesmo porque, ao ganhar eu vou perdendo essa sensação de que só o perder me cabe.

domingo, 4 de outubro de 2009

Sobre os cravos...

Minha flor é um cravo.
Que por si só,
faz todo meu jardim.
Plantei e ansiei por gerânios, antúrios e rosas.
Pereceram.
Distintas outras plantas, só em cacos.
Surdo, feio, triste
Maltratado, ferido, pisado, cuspido
Resiste o cravo.
Jamais o adubei ou molhei.
Ele não diz por que está ali.
Frias regras.
Estremecemos
E mais nada.
Toda manhã trucido seu pé.
Salgo seu solo.
Praguejo sua lembrança
E ele não sai do meu jardim.

Poesia feita por um amigo muito querido e enviada para minha apreciação.
Eu adorei... e fiquei a pensar: Quem é que não teve seu cravo na vida, não é? Quem já não foi cravo na vida de alguém?

Eu já fui... não quero ser mais. Eu já tive... não quero ter mais.

Boa professora???

Estou vivendo mais uma vez uma experiência interessante: dei uma de professora de buraco pra minha amiga "Branca" (é assim que eu chamo Airi, minha parceira psicóloga na pesquisa). Segundo ela, nunca aprendeu a jogar buraco e vivia perdendo neste jogo simples. Para uma pessoa aficcionada por jogo e com um espírito altamente competitivo como ela é, isso era um crime!! rsrsrs... Compadecida da dor de minha mais nova amiga, resolvi ajudá-la... como é hábito meu.
Pacientemente a ensinei durante semanas. Não deixava fazer besteiras, analisava as jogadas junto com ela, explicava e deixava desfazer os erros que cometia. Eu sempre ganhava, mas estava a ensiná-la com dedicação. Queria muito que ela aprendesse, não por altruísmo, mas porque o meríto seria meu também. Não preciso mentir pra vocês... nem pra mim.
Pois o que eu queria aconteceu. Ela aprendeu. Qual não foi minha surpresa esta semana, quando a mocinha começou a ganhar de mim: 1, 2, 3 vezes!!! Fiquei estupefata!!! Diante disso passei a pensei: será que é só uma repetição daquela máxima de que o aprendiz costuma superar o mestre, será que eu sou uma professora muito eficiente, ou sou muito burra mesmo?? Prefiro acreditar na segunda opção. É mais reconfortante. Outra coisa veio à minha cabeça: "cuidado com o que você deseja"!
A partir deste episódio passei a refletir sobre algumas situações que vivi, meu esporte predileto nos últimos meses. Pensei na quantidade de vezes que me dispus a ensinar, e não é à toa que me tornei professora de verdade. É algo que eu gosto verdadeiramente. Gosto de ajudar as pessoas a serem melhores do que são em qualquer coisa, desde que esteja a meu alcance. Creio que a essência do ensinar é isso: ajudar a ir além. Mas não ajudar no sentido de dar suporte, o que pressupõe uma relação de supeioridade de quem ajuda em relação a quem é ajudado. Prefiro o ajuda no sentido de cooperar, que pressupõe a troca... porque ninguém só ensina ou só aprende.
Mas deixando a "filosofia" de lado, estava "a refletire" (como dizem os angolanos) que inúmeras vezes eu fui vítima de meus ensinamentos. Num primeiro momento isso é algo estranho de se ouvir e, mais ainda, de se sentir. Mas é exatamente assim que sinto algumas vezes, é claro: é como ser vítima de você mesma. E aí lembrei de um ditado que a minha avó dizia: "estou criando cobra pra me morder"!
Pois é... as cobras estão aí e eu não moro mais no Butantã!!! rsrsrsrs...

Poesia de domingo...

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

Leminski