No segundo dia de trabalho nas escolas, município de Viana, Província de Luanda, vivi uma das muitas situações marcantes da minha passagem por aqui.
Fui para o pátio da escola identificar crianças falantes... que pudessem contribuir voluntarimente com o nosso trabalho, sem reservas. Eu tenho um bom feeling pra isso, portanto logo encontrei um menino lindo... com um rosto bastante expressivo emuito falante. Ele era delegado de turma, aqueles responsáveis pela classe quando o professor se ausenta. Fala com com autoridade aos demais. Era firme e duro com os colegas. Havia aprendido bem a "lição".
Conversamos um pouco, então convidei-o a participar da atividade. Ele prontamente aceitou. Pedi que me ajudasse a escolher outros que ele julgava que poderiam contribuir e assim o fez. Trouxe uma menina linda, com olhos negros grandes e um sorriso típico de criança levada.
Quando a conversa começou, logo vi que me surpreenderia com aquelas crianças. Elas falavam tranquilamente sobre o que achavam da escola e as situações que vivenciavam cotidianamente.
O que aquelas crianças relataram foi estarrecedor. As cenas eram de um verdadeiro "circo dos horrores". Literalmente. Sessões de tortura. Agressões físicas e emocionais. Humilhações de toda natureza. Quanto mais elas falavam, mais eu silenciava.
À certa altura, o menino bonito faz o seguinte relato emocionado:
- O professor não gosta de mim. Eu não sei porquê. Outro dia ele me encontrou no corredor, deu um soco no meu peito e disse: - Quem você pensa que é?! Você não é nada! Você não presta pra nada! Eu não disse nada a ele... não sei porque ele faz isso comigo.
Meus olhos encheram de lágrimas. Era evidente as marcas que o episódio deixou naquela criança de olhar e presença marcante.
Perguntamos se ele não havia contado as coisas que sofria na escola para sua mãe, e a resposta dele nos deixou sem voz de novo.
- Não conto mais, porque já tentei falar e ela não acredita em mim. Disse que se eu apanho é porque devo ter feito algo pra merecer.
Ele disse isso e baixou o olhar, envergonhado e triste.
Nós silenciamos. Nó na garganta. Lágrimas nos olhos. Aperto no coração. O ar faltou na sala.
Ficamos a nos olhar sem dizer uma palavra sequer, como quem pergunta "o que faremos agora?". Mudamos o "rumo da prosa". Pedimos que desenhassem a escola dos seus sonhos.
Fiquei a me perguntar, com meu jeito torto de ver as coisas: que sonhos? Eles nem entendiam o termo... Tivemos que traduzí-lo.
Mas eles têm sonhos sim. Eles têm esperança... e é lindo ter esperança. Seguir com fé, mesmo quando "o mundo diz não"!
Resiliência é a palavra. Isso eles têm de sobra... muito de nós não.
Já sabia, mas lendo tenho mais certeza ainda, que esse período será inesquecível na sua vida!
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